Descrição
Os artigos deste livro documentam as intensas lutas travadas por pessoas em todo o mundo contra as múltiplas formas de desapropriação às quais estão sujeitas. Na literatura esquerdista, tais lutas são, com frequência, descartadas como puramente defensivas. Mas essa visão está profundamente equivocada. É impossível defender os direitos comunais sem criar uma nova realidade, isto é, novas estratégias, novas alianças e novas formas de organização social. Uma mina é aberta, ameaçando o ar que as pessoas respiram e a água que bebem; perfurações são feitas em águas costeiras para extrair petróleo, envenenando o mar, as praias e as terras agrícolas; um bairro antigo é devastado para abrir espaço a um estádio — imediatamente, um novo perímetro é estabelecido. De um ponto de vista feminista, uma das atrações exercidas pela ideia dos comuns é a possibilidade de superar o isolamento em que as atividades reprodutivas são realizadas e a separação entre as esferas privada e pública, que tanto têm contribuído para esconder e racionalizar a exploração das mulheres na família e no lar.
— Silvia Federici
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“Reencantar o mundo” ressignifica as categorias marxistas, reinterpretando-as em uma perspectiva feminista. “Acumulação” é um desses conceitos, assim como “reprodução”. “Luta de classes” é um terceiro, inseparável do quarto, “capital”. Para Federici, a “teoria do valor do trabalho” ainda é a chave para entender o capitalismo, embora sua leitura feminista redefina o que é trabalho e como o valor é produzido. Ela mostra, por exemplo, que a dívida também é produtiva para o capital: uma poderosa alavanca de acumulação primitiva — empréstimos estudantis, hipotecas, cartões de crédito e microfinanças — e um mecanismo de divisões sociais. A reprodução (educação, assistência médica, pensões) tem sido financeirizada. Esse cenário vem acompanhado de uma deliberada etnografia da vergonha, sintetizada pelo Grameen Bank, que toma até as panelas dos “empreendedores” inocentes e empobrecidos que atrasam os pagamentos. John Milton, autor de Paraíso perdido, o poema épico da Revolução Inglesa, condenava a prática de “apreender panelas e frigideiras dos pobres”. Ele também viu a vergonha e a astúcia: primeiro, cercar a terra; depois, apossar-se da panela. (Ou seria o contrário?) Federici toma partido e faz isso de forma distinta dos outros. Existe a escola de “recursos comuns”, os comuns sem a luta de classes. Há a escola que enfatiza a informação e o capitalismo cognitivo, mas ignora o trabalho das mulheres na base material da economia cibernética. A escola da “crítica da vida cotidiana” esconde o trabalho interminável e não remunerado das mulheres. A reprodução de um ser humano é não só um projeto coletivo como também o mais intensivo de todos os trabalhos. Aprendemos que “as mulheres são as agricultoras de subsistência do mundo. Na África, elas produziam 80% da comida consumida pelas pessoas”. As mulheres são guardiãs da terra e da riqueza comunitária. São também as “tecelãs da memória”. Federici olha para o corpo em um continuum com a terra, pois ambos possuem memória histórica e estão implicados na libertação.
— Peter Linebaugh, no prefácio
SOBRE A AUTORA
Silvia Federici é uma intelectual militante de tradição feminista marxista autônoma. Nascida na cidade italiana de Parma em 1942, mudou-se para os Estados Unidos em 1967, onde foi cofundadora do International Feminist Collective (coletivo internacional feminista), participou da Wages for Housework Campaign (Campanha por um salário para o trabalho doméstico) e contribuiu com o Midnight Notes Collective (coletivo notas da meia-noite). Durante os anos 1980 foi professora na Universidade de Port Harcourt, na Nigéria, onde acompanhou a organização feminista Women in Nigeria (mulheres na Nigéria) e contribuiu para a criação do Committee for Academic Freedom in Africa (comitê para a liberdade acadêmica na África). Na Nigéria, pôde ainda presenciar a implementação de uma série de ajustes estruturais patrocinada pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial. Atualmente, Silvia Federici é professora emérita da Universidade de Hofstra, em Nova York. É autora de Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva (Elefante, 2017) e O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista (Elefante, 2019).