Hiroshima está em toda parte

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Hiroshima está em toda parte:
O homem sobre a ponte: diário de Hiroshima e Nagasaki (1958); Para além dos limites da consciência: correspondência com Claude Eatherly, piloto de Hiroshima (1959-1961); Os mortos: discurso sobre as três guerras mundiais (1964)
Autor: Günther Anders
Tradução: Claudia Abeling
Posfácio: Paulo Arantes
Apoio: Goethe-Institut
Edição: Tadeu Breda & Luiza Brandino
Preparação: Bonie Santos
Revisão técnica: Felipe Catalani
Revisão: Diana Soares Cardoso & Eduarda Rimi
Capa & projeto gráfico: Mateus Valadares
Diagramação: Daniela Miwa Taira
Direção de arte: Bianca Oliveira
Assistência de arte: Yana Parente
Lançamento: abril de 2025
Páginas: 480
Dimensões: 15 x 23 cm
ISBN: 9786560080652

Descrição

O mais enfático testemunho filosófico contra o armamento nuclear, Hiroshima está em toda parte é um compilado de três textos escritos por Günther Anders entre 1958 e 1964, todos centrados na monstruosidade destrutiva das bombas atômicas que, sob o verniz do combate ao totalitarismo e defesa da liberdade, ceifaram centenas de milhares de vidas no século XX.

Na primeira parte, O homem sobre a ponte: diário de Hiroshima e Nagasaki, acompanhamos a chegada de Anders ao 4º Congresso Internacional contra as Bombas Atômicas e de Hidrogênio, em Tóquio, quando ele e outros ativistas se reúnem para alertar o perigo irrevogável da tecnologia atômica e redigir um código moral sobre a situação nuclear. A viagem prossegue com a visita às cidades japonesas treze anos depois dos bombardeios, num texto ao mesmo tempo intimista e filosófico, que expõe diálogos com outros viajantes, reflexões pessoais e o desespero de viver num mundo assombrado pela ameaça da destruição em escala industrial.

Na segunda parte, intitulada Para além dos limites da consciência, Anders torna pública sua correspondência com Claude Eatherly, major da Força Aérea dos Estados Unidos que participou do bombardeio de Hiroshima e Nagasaki. Ao contrário de seus colegas de farda, recebidos como heróis patrióticos, Eatherly vivia angustiado pela culpa: tentou suicidar-se duas vezes e também tentou ser formalmente punido, cometendo pequenos delitos a fim de ser preso. Acabou internado num hospital de veteranos das Forças Armadas, onde recebeu a primeira carta de Anders, o único interlocutor que não o considerava louco. As cartas abrangem um período de praticamente dois anos, nos quais Anders tenta ajudar Eatherly a obter alta do hospital e ambos tentam articular seu interesse em comum: mobilizar esforços pelo fim do armamento nuclear.

Por fim, no último texto, Os mortos: discurso sobre as três guerras mundiais, Anders relembra a enorme dimensão da monstruosidade que nossa tecnologia foi capaz de produzir: uma guerra de “produção automatizada de cadáveres” e “que poderia liquidar toda a humanidade”. Diante da iminência da destruição total, o autor convoca uma greve de produção: uma greve internacional contra a aniquilação da humanidade. Surpreendentemente atuais, suas reflexões são um alerta estridente para que “o tempo do fim” não se torne, de fato, “o fim dos tempos”.

 

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O caso Eatherly é não somente uma injustiça terrível e infinita contra um indivíduo mas também característico da loucura suicida de nossa época. Após a leitura das cartas de Eatherly, nenhum ser humano sem ideias preconcebidas pode duvidar de sua sanidade mental, e para mim é difícil acreditar que os médicos que o classificaram como demente estivessem convencidos da precisão do diagnóstico. Ele foi penalizado simplesmente porque se arrependeu de sua participação — comparativamente inocente — no massacre. Os métodos que escolheu para despertar a consciência dos seus contemporâneos e lhes abrir os olhos para esse e outros delírios atuais podem não ter sido sempre os mais razoáveis, mas sua motivação merece a admiração de todos que nutrem sentimentos humanos. Os contemporâneos de Eatherly estavam dispostos a honrá-lo por sua participação no massacre; mas, ao mostrar arrependimento, ele foi atacado. As pessoas tinham reconhecido no arrependimento a condenação do ato. Espero sinceramente que a publicação do caso faça com que as autoridades sejam convencidas a julgá-lo de maneira mais justa e que empreguem todas as suas forças para reparar a injustiça a que Eatherly foi submetido.

— Bertrand Russell

 

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Vivemos num tempo em que a bondade é considerada ingenuidade; a decência, burrice; a empatia, fraqueza; o amor ao próximo, loucura. As virtudes só têm valor no discurso, visto que, na prática cotidiana, elas já não são mais levadas a sério. Atualmente, os ridicularizados, os enganados, os desiludidos não veem mais sentido em se revoltar — no máximo estão decididos pelo menos a não serem enganados. Se alguém fala sobre a moral, essa pessoa é desacreditada como sabichão ou hipócrita; no melhor dos casos, como antiquada. Pois os céticos e os cínicos que se autointitulam “realistas” acreditam ter finalmente compreendido o que está sendo jogado e participam ativamente do jogo. Mesmo que, na realidade, o jogo se volte contra eles. Mesmo se eles mesmos estiverem em ação. Dessa maneira, é ainda maior a responsabilidade dos poucos que não se incomodam com o ridículo, com o espelho deformado que transforma momentaneamente cada cavaleiro da verdade em um Dom Quixote. O auxílio emocional que Günther Anders deu ao desconhecido amigo nos Estados Unidos me parece um bom exemplo de que as pessoas cônscias de suas responsabilidades intelectuais e morais não devem se resignar nem capitular, mas que é cada dia mais urgente que cumpram seu papel de porta-vozes das vítimas. Ao fazê-lo, não “destroem” a sociedade, mas a ajudam a se reconhecer, ela própria, como vítima de erros calamitosos. O “caso Eatherly” é apenas um recomeço do processo em eterno recomeço no qual um portão sagrado confronta e expõe a camada dominante na época e sua moral decadente por meio de seu jeito diferente de ser. Isso geralmente ocorre antes de novas leis serem cinzeladas em novas pedras.

— Robert Jungk

 

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O movimento antinuclear também foi esquecido porque surgiram substitutos a ele. Logo foram iniciados aqueles movimentos internacionais, majoritariamente movimentos jovens, em parte contrários à guerra do Vietnã, em parte perseguindo os ideais de 1968, em parte trazendo o feminismo ao mundo. Também participei ativamente de um desses movimentos. E não é possível acusar nenhum desses movimentos substitutos de “baderneiros” (como fez, por exemplo, a burguesia suíça). Eles eram e são, indiscutivelmente, movimentos políticos legítimos. Apesar disso, vale dizer: esses revoltosos deixaram de fora a causa decisiva para nossa era (e para todas as eventuais eras seguintes) — a do crescente armamento nuclear e a consequente ameaça de “morte nuclear”. A necessária revolta principal foi escondida por revoltas secundárias, a luta contra um futuro sem mundo ou um mundo sem futuro foi substituída de maneira quase exclusiva pela luta contra males contemporâneos ou contra males de um futuro inconteste. […]

“Temos de deixar claro, de uma vez por todas, que, independentemente de como o mundo possa estar mudado hoje e de quão escandalosas possam soar as novas manchetes, as guerras serão, de agora em diante e sem exceção, da mesma natureza que a guerra de Hitler; e mais: ainda piores e mais inconsequentes. E isso acontece porque qualquer guerra vai degenerar automaticamente numa guerra que não fará distinção entre o que é militar e o que é civil, numa guerra que transcorrerá como uma guerra de liquidação, de produção automatizada de cadáveres, e até numa guerra que poderia liquidar toda a humanidade.”

— Günther Anders

 

SOBRE O AUTOR

Günther Anders, pseudônimo de Günther Siegmund Stern, nasceu em 1902, na Breslávia, então território do Império Alemão. Doutor em filosofia pela Universidade de Freiburg, foi reconhecido como um fenomenólogo brilhante por seus professores Edmund Husserl — aliás, orientador de sua tese de doutorado, defendida em 1924 — e Martin Heidegger — em cujas aulas conheceu Hannah Arendt, com quem foi casado entre 1929 e 1937. Nesse período, aproximou-se dos círculos da vanguarda literária da República de Weimar e manteve contato com escritores como Bertolt Brecht e Alfred Döblin. Com o avanço do nazismo, exilou-se primeiro na França, em 1933, onde conviveu com Walter Benjamin, seu primo de segundo grau, e, três anos depois, nos Estados Unidos. Trabalhou em ramos diversos, inclusive como operário de fábrica — experiência determinante para suas análises da automação na sociedade industrial, desdobradas em seu principal livro, Die Antiquiertheit des Menschen [A obsolescência do homem]. Escritor polivalente, teve uma obra vasta e diversificada: além de textos filosóficos e ensaios de crítica da cultura, dedicou-se a gêneros diversos (romance, poema, fábula, diálogo de ficção, carta e diário), não raramente incorporados em sua prosa teórica. Enquanto crítico literário, seu livro Kafka: pró e contra (Cosac Naify, 2007) impactou autores como György Lukács e Theodor Adorno. Testemunha da destruição civilizacional generalizada do século XX, dedicou suas reflexões ao potencial de autoaniquilamento da humanidade e à “mutação da alma” no capitalismo tardio. Além de escritor e teórico, foi militante antifascista na juventude e, no pós-guerra, engajou-se profundamente na luta antinuclear, tendo dedicado parte significativa de sua obra à ameaça atômica. Faleceu aos noventa anos em Viena, na Áustria, em 1992.