Das colonizações ao agronegócio, uma história radical da crise climática
A Elefante está lançando Capitaloceno: uma história radical da crise climática, do mexicano Francisco Serratos e em tradução de Reginaldo Pujol Filho. O livro, que se junta à coleção Alternativas, está em pré-venda com desconto em nosso site. Serratos é professor da Faculdade de Linguagem, Cultura e Raça da Universidade do Estado de Washington, nos Estados Unidos, e tem se dedicado ao humanismo ambiental e à crítica do aquecimento global.
Capitaloceno, como ele próprio diz em determinada altura do livro, é “antes de um conceito, um argumento; mais ainda, é a crônica de uma série de acontecimentos enquadrada por uma narrativa muitíssimo mundana que é a acumulação ilimitada de riquezas através de diversas tecnologias como a guerra, a colonização, a privatização ou a espoliação”.
Para traçar essa história radical da crise climática, ele vai passando por vários eventos da caminhada humana recente, sem um desejo de cronologia exata, mas juntando esses episódios dentro dessa ideia das causas da tragédia ambiental. Por exemplo, o impacto da chegada dos europeus à América há mais de 500 anos, ou mesmo a invenção do motor a vapor, a indústria da carne, a produção do algodão etc. No fim, esboços de um futuro possível, mesmo diante de tamanha complexidade dos problemas.
Reproduzimos abaixo um trecho do livro que, mesmo não se dedicando a uma linearidade temporal, localiza os eventos em seus respectivos marcos:
1945 | O mundo de plástico
Uma consequência da petroeconomia, como destaquei em capítulos anteriores, foi que os Estados Unidos puderam se libertar da dependência do látex e da borracha importados e, além disso, criar um sistema de produção com controles mais efetivos sobre a extração e a produção da borracha. O produto que surgiu dessa revolução petroquímica foi, graças aos diferentes tipos de destilação e experimentos, um material pluriforme, multiflexível, multiuso, multitextural (celuloide, celofane, náilon, vinil etc.), e a palavra que lhe dá nome provém do grego plassein (moldar, dar forma), capaz de ser adaptado e utilizado em quase qualquer ambiente. Refiro-me, logicamente, ao plástico. Sua revolução foi de tal magnitude que alguns optaram por chamar o nosso período geológico de “Plastioceno”, pois sua descoberta inaugurou toda uma cultura, uma estética, um estilo de vida e de consumo. Depois da Segunda Guerra Mundial, esse material gerou tantas expectativas que, em 1940, a revista Fortune publicou um mapa de um novo continente chamado “Synthetica”, o qual era dividido em vários países como Vinyl, Acrylic Stirene, Nylon Island, Petrolia e Cellulose, entre outros (Immerwahr, 2019, p. 271).
Quem poderia pensar que esse continente viria a existir e se localizaria no meio do Oceano Pacífico, entre o litoral da Califórnia e o Havaí? Em vez de formar-se a partir de explosões vulcânicas ou terríveis terremotos, ele é produto do plástico descartado ao longo de décadas. Os cientistas o chamaram de “Great Pacific Garbage Patch” [Grande mancha de lixo do Pacífico], e sua superfície tem o dobro do tamanho do estado do Texas, ou três vezes o da França. De acordo com a organização The Ocean Cleanup, estima-se que seja composto por aproximadamente dois trilhões de peças de plástico e que seu peso fique em torno de oitenta mil toneladas. Semelhantes a ele, já foram identificados outros quatro “continentes” plásticos flutuando nos oceanos, embora de dimensões menores. Se a tendência de desperdício prosseguir, calcula-se que em 2050 haverá mais plástico do que vida nos oceanos e que, em toda a superfície terrestre, terão sido produzidos cerca de doze bilhões de toneladas de plástico. As consequências finais desse fenômeno sobre o planeta são imensuráveis.
O verdadeiro perigo, no entanto, não está nas peças visíveis a olho nu — garrafas, recipientes, embalagens de alimentos ou produtos —, e sim nas partículas de microplástico que podem se alojar em qualquer canto do planeta e se depositar nos corpos de animais marinhos como peixes e aves e depois, feito parasitas, se instalar no estômago das pessoas que se alimentaram daqueles animais. Uma só carga de roupa em uma máquina de lavar comum pode soltar até setecentos mil pedaços de microplástico durante a drenagem, que depois desembocarão inevitavelmente em algum rio ou corpo d’água. O microplástico modificou a dieta de centenas de espécies marinhas: o peixe menor come plástico, e o peixe maior come o menor. A parcela da fauna afetada até 2018 é calculada em quase 1,5 mil espécies, segundo números de Wallace-Wells (2019). E a presença do microplástico não se limita aos frutos do mar; ele também pode ser encontrado em outros alimentos como cerveja, mel, sal — este último um dos mais preocupantes (Wallace-Wells, 2019, p. 105). Segundo um estudo de 2018, 90% do sal de mesa consumido no mundo contém microplástico. Das 39 marcas mais vendidas nos cinco continentes, 36 estão contaminadas com esse material (Ji- Su et al., 2018).
A história do plástico, assim como a de várias mercadorias surgidas nos últimos dois séculos, se relaciona com a aceleração da acumulação capitalista e o esgotamento de — ou a dificuldade de acesso a — matérias-primas como o látex ou o marfim. O marfim, especialmente no século XIX, se converteu em uma preocupação, pois a partir dele eram produzidas diversas mercadorias para a classe média vitoriana. Entre elas se incluíam, como destaca Susan Freinkel, bolas de bilhar, pentes, caixinhas de música e prendedores para cabelo, cujos preços eram demasiadamente altos porque a extração do marfim, além de violenta — é preciso matar um animal, seja um elefante, seja uma tartaruga —, implica necessariamente importação. De acordo com uma nota de 1867 do New York Times, no Ceilão, de onde vinha uma carga considerável de marfim, pagavam-se três xelins por cabeça de elefante, o que obrigava as populações nativas em situação precária a matar mais para obter mais dinheiro; segundo a nota, “3,5 paquidermes foram despachados em menos de três anos pelos nativos” (Freinkel, 2011, p. 15). A cada ano, Freinkel calcula, era consumido um milhão de libras de marfim. Assim, a necessidade de encontrar um substituto para esse pujante mercado era urgente, tanto que desencadeou uma euforia científica na qual foram experimentados diferentes materiais e desenvolvidos vários protótipos que se retroalimentavam entre si. Três momentos dessa história são relevantes. A primeira pessoa a acertar, acertar em cheio, foi o inglês Alexander Parkes, que patenteou o primeiro termoplástico da História, um celuloide que batizou de “Parkesine”. Depois, John Wesley Hyatt se encarregou de simplificar e baratear o processo iniciado por Parkes, e foi assim que o celuloide se transformou no primeiro plástico industrial da História a substituir — e até mesmo “aperfeiçoar” e democratizar — produtos antes destinados a uma classe social privilegiada. Por fim, em 1907, Leo Baekeland conseguiu sintetizar o primeiro plástico de materiais sintéticos, ao qual chamou de “bakelite” (baquelita), um polímero mais resistente a altas temperaturas e sem o qual não é possível imaginar centenas de produtos modernos como os rádios, as tomadas, as tampas de panela, as autopeças — Baekeland foi contratado por Ford para desenhar o famoso Modelo T. A baquelita, relata Freinkel (2011, p. 23), abriu novas perspectivas para os cientistas, pois, em vez de imitar a natureza, podia gerar novos materiais muito mais duradouros — ou seja, abriu uma infinidade de possibilidades para a indústria moderna. O capital, assim, realizava seu sonho: uma economia que podia se expandir indefinidamente em um espaço livre de obstáculos.
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Foto: Bob Nichols, USDA/CC BY 2.0 (Flickr)











