‘Imperialismo se expressa mais brutalmente na América Central’
Por Duda Blumer
Publicado em Opera Mundi
Em meio à pressão dos Estados Unidos contra a América Latina, a professora da Universidade Federal Latino-americana (UNILA) Patricia Mechi avalia que alguns “constituintes comuns das sociedades da região” como o colonialismo, a dependência e o imperialismo, se expressam “mais brutalmente” na América Central.
Na esteira do lançamento do livro América Central: desafios e resistências no século XXI, a pesquisadora analisou a Opera Mundi as circunstâncias que levam à publicação de uma obra preocupada em explorar a região que não apenas divide a América do Norte e o do Sul.
Segundo ela, esses marcadores — característicos do Sul Global — ocorrem “com poucas mediações ou nuances” na América Central. “A América Central nos ensina porque condensa, em forma extrema, dilemas que atravessam toda a América Latina: trabalho precarizado, extrativismo, violência, migração e autoritarismos”.
“A história da região é inseparável da intervenção externa, especialmente dos Estados Unidos, que desde o século 19 tratam o istmo como sua extensão”, explica.
A organizadora do livro — juntamente com Fabio Luis Barbosa dos Santos, Fabiana Dessotti e Vitor Wagner Neto de Oliveira — afirma que a região é marcada pelos golpes e ocupações militares, mas também pelos movimentos de resistência. “Se ali foi o laboratório do império para combater a contra-insurgência na América Latina, inclusive com a fundação da escola de assassinos e torturadores conhecida como Escola das Américas na Guerra Fria, é porque ali a insurgência também atuava, na Guatemala, El Salvador e Nicarágua”.
Já o histórico da extrema pobreza e desigualdade ocorre não apenas com o desenvolvimento do capitalismo na região, diretamente ligado ao expansionismo dos Estados Unidos, de acordo com Mechi.
“Esse movimento produziu burguesias locais, Estados e forças repressivas que sempre atuaram com mão de ferro para garantir que a extrema pobreza e desigualdade não afetassem os altíssimos ganhos capitalistas”, explica.
Mechi afirma que essa tendência possibilitou uma estrutura que permitiu, a partir do século 21, “um padrão de reprodução neoliberal”, que intensificou a crise do trabalho, amplificou o extrativismo e consequentemente expulsou as populações camponesas e indígenas de seus territórios.
De acordo com a docente, esse cenário leva a América Central aos desafios que enfrenta hoje: “formas de gestão violenta da população, como no experimento prisional de Nayib Bukele [presidente de El Salvador] , escalada de militarização e aprofundamento dos autoritarismos e do crime organizado”.
“Esse cenário, somado à expulsão das populações de seus territórios, leva muitos centro-americanos buscarem saída na migração, mas nela encontram muros reais e simbólicos, erguidos pelos Estados Unidos”, explica.
Assim, a obra “questiona e reflete sobre qual é o lugar dos centro-americanos num mundo que parece não ter lugar para eles”, além de ajudar a compreender a região como um “laboratório de políticas de contenção” dos EUA.
Do passado para o presente
Mechi lembra como os desafios enfrentados pela América Central neste momento estão relacionados à volta de Donald Trump à Casa Branca em meio ao “enfraquecimento relativo do poder norte-americano e avanço da China”.
“Neste cenário, o controle territorial e populacional ganha muita relevância nas estratégias dos EUA na América Central, vista por Washington como rota de migração, circulação comercial e presença militar”, afirma.
Para ela, a situação em El Salvador — com a “aproximação entre Trump e Bukele, expansão do encarceramento em massa, vigilância populacional, avanço da militarização e disciplinamento social por exemplo”, funcionam como “resposta autoritária às demandas de segurança do capitalismo contemporâneo na região”.
O livro América Central: desafios e resistências no século 21 foi lançado na mesma semana em que Honduras realizou eleições presidenciais influenciadas por Trump — que diretamente incentivou voto no candidato Nasry Asfura, do conservador Partido Nacional, contra a candidata da esquerda, Rixi Moncada (Libre).
Segundo Mechi, o pleito também foi marcado pelo indulto concedido por Trump ao ex-presidente hondurenho Juan Orlando Hernández, condenado pela Justiça dos EUA por narcotráfico. É possível “ver com clareza o cinismo da política norte-americana, que ataca a Venezuela sob o pretexto do narcoterrorismo enquanto liberta Hernández”, avalia.
Segundo a professora, a atual situação vivida por Honduras é reflexo de sua condição de “Estado tutelado” [pelos EUA], reforçado com o golpe militar que derrubou o governo de Manuel Zelaya em 2009.
Para Mechi, América Central: desafios e resistências no século 21, obra que é resultado da pesquisa de campo do projeto Realidades Latino-Americanas (Unifesp) e que reuniu mais de 40 autores em esforço coletivo de conhecer a região, ajuda o leitor brasileiro no encurtamento da distância estrutural em relação à América Central.
Segundo Mechi, o Brasil tem um “distanciamento em relação à América Latina como um todo, que aparece de forma mais intensa com a América Central e Caribe”. Para ela, um exemplo disso é a diplomacia brasileira, cujo foco é na América do Sul.
“Esse afastamento dificulta e empobrece a compreensão de nossa posição no continente. Como mencionamos no livro, trata-se de recuperar José Martí [líder cubano], conhecer os povos da América Latina “como quem vai lutar juntos”, buscando não perder de vista um horizonte de integração solidário” declara.
“Conhecer a América Central é compreender tendências que também incidem sobre os demais países da América Latina. Só é possível compreender algumas de suas estruturas, tendências e desafios se incluirmos o istmo — não como uma periferia distante — mas como um prisma que ilumina tanto nossos impasses quanto às possibilidades de articulação política no continente”, conclui.
Foto: Vanessa Oliveira











