Memória, oralidade, arte: uma sociologia da imagem

A Elefante está lançando Sociologia da imagem: olhares ch’ixi a partir da história andina, segundo livro da boliviana Silvia Rivera Cusicanqui em nosso catálogo — antes, Um mundo ch’ixi é possível: ensaios de um presente em crise. A militante, socióloga e historiadora segue com sua pesquisa que imagina e inaugura novas formas de olhar para o território diante da colonização e dos apagamentos históricos, dessa vez com uma lupa no trabalho de artistas importantes no registro dos povos de onde hoje chamamos de Bolívia. Segue abaixo a orelha da edição que está em pré-venda no nosso site.

Um dos principais nomes do pensamento latino-americano contemporâneo, a boliviana Silvia Rivera Cusicanqui apresenta em Sociologia da imagem um dos eixos centrais de sua trajetória de pesquisa. Apoiada na noção de ch’ixi, termo aimará que designa uma coloração cinza que, vista de perto, é na verdade composta de diminutas manchas brancas e pretas que não se misturam, a autora se afasta da síntese homogeneizante típica das epistemologias “ocidentais” para desenvolver um método e uma práxis sociológicos embasados no múltiplo e no contraditório, “uma força explosiva que potencializa nossa capacidade de pensamento e ação”.

Privilegiando a memória coletiva, a história oral e a produção pictórica em suas diversas manifestações, neste livro as imagens são mais do que representação e mimese: são teoria, reflexão. “As culturas visuais têm desenvolvido uma trajetória própria que revela e reatualiza muitos aspectos não conscientes do mundo social” — um mundo social cuja ordem foi rompida pela “experiência cataclísmica da colonização”, ferida ainda aberta, marca indelével na subjetividade boliviana, definida pela “luta permanente entre o índio e o europeu”.

Essa construção teórica apoia-se principalmente no trabalho de três artistas bolivianos dos séculos XVII, XIX e XX. Nas aquarelas de Melchor María Mercado, produzidas entre 1841 e 1869, a autora encontra umas das interpretações “mais sagazes sobre o mestizaje, os fluxos comerciais populares e os paradoxos do poder político nacional”, nas quais já estão evidentes a interculturalidade e o profundo autoritarismo do Estado boliviano.

Na carta ilustrada de mil páginas escrita ao rei da Espanha por Felipe Guamán Poma de Ayala, cronista do século XVII conhecido como Waman Puma, são notórios “os significados dessa hecatombe que foi a colonização e a subordinação maciça da população e do território andino à Coroa espanhola”. E é sobretudo nos desenhos que Waman Puma expressa o cerne de uma teoria autóctone do colonialismo: eles dizem “o que as palavras não podem expressarem uma sociedade de silêncios coloniais”.

O cinema é outro pilar das reflexões sociológicas deste volume, em que a autora analisa longas-metragens do diretor boliviano Jorge Sanjinés, além de se referir a realizações audiovisuais próprias, destacando a audiência ampliada que os filmes alcançam em um país plurilíngue como a Bolívia se comparados ao texto escrito.

Rivera Cusicanqui retoma ainda o Álbum de la revolución, publicado pelo Movimiento Nacionalista Revolucionario (MNR), que tomou o poder em 1952. Em uma leitura a contrapelo, a autora identifica nesses retratos uma narrativa patriarcal e ocidentalizante que marginaliza e estereotipa indígenas e mulheres e constrói o mito do pertencimento da Bolívia ao “mundo ocidental”: uma “estrutura ideológica de longa duração, que se manifesta como uma prática profunda e internalizada de autodepreciação, reproduzida por séculos na personalidade colonizada e que atravessa todos os estratos da sociedade”.

Ao recorrer a conceitos e vocábulos em aimará e em quéchua e contestar a rigidez acadêmica da sociologia tradicional, Rivera Cusicanqui apresenta aqui uma proposta para “compreender o imaginário da colonização como uma profecia autorrealizada, na qual a violência da conquista foi formulada em termos de uma disputa simbólica”.

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