Paulo César Ramos: “Cada abordagem policial é um ritual de racialização”

Dois casos emblemáticos de violência policial contra jovens negros tomaram os noticiários no início desta semana. Os dois ocorreram na cidade de São Paulo entre novembro e dezembro e só ganharam repercussão por conta registros em vídeo que circulam na internet.

Em um vídeo que viralizou nas redes sociais, policiais arremessaram uma pessoa do alto de uma ponte na Cidade Ademar, bairro na zona sul da capital paulista, na madrugada de segunda passada (2). O outro registro mostra o momento em que Gabriel Renan da Silva Soares, um homem negro de 26 anos, executado em novembro por um policial à paisana no Jardim Prudência, recebe 11 tiros nas costas após furtar produtos de limpeza em uma unidade do Oxxo.

Autor de Gramática negra contra a violência de Estado, lançamento da Elefante, o pesquisador Paulo César Ramos foi convidado do UOL News para comentar as duas notícias assombrosas que, no entanto, foram desencadeadas por procedimentos policiais corriqueiros.

Paulo é coordenador de pesquisa do Núcleo Afro do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e coordenador do Projeto Reconexão Periferias da Fundação Perseu Abramo. Em suas pesquisas de mestrado e doutorado, Paulo se dedicou ao estudo das relações raciais, violência, memória, movimentos sociais e políticas públicas. Também é autor do livro Contrariando a estatística: genocídio, juventude negra e participação política (Alameda, 2021).

Em Gramática negra contra a violência de Estado, o autor se debruça sobre os acervos de organizações e de militantes do movimento negro para compreender as ideias mobilizadas ao longo dos anos para fazer frente à violência de Estado especialmente aquela que se expressa nas ruas das grandes cidades brasileiras por meio da brutalidade policial — cujo crescimento expressivo após o fim da ditadura a pesquisa de Paulo logra documentar.

É por essa razão que, segundo ele, “quando más notícias como as de hoje nos assaltam e se tornam emblemáticas, isso acontece porque elas são bastante eloquentes do padrão estrutural do policiamento ostensivo do estado de São Paulo.”

Perguntado se o racismo policial aumentou, o autor respondeu que só “é possível dizer que o racismo policial aumentou justamente porque a polícia, como ela está estruturada hoje no estado, é uma produtora de racialização”.

“Cada abordagem policial é um ritual de racialização, ou seja, de produção de hierarquias raciais, sempre que existe algum tipo de abuso por parte dos policiais, algum tipo de brutalidade, o policial está informando o jovem negro periférico pobre de que ele é inferior e de que existe uma hierarquização”, define.

Ele também cita o encarceramento em massa como parte desta estrutura e que, segundo Paulo, tem “o mesmo efeito deletério e dissuasivo do tecido social que uma morte durante uma operação policial possui”. Como saída para este cenário de violência racial e alta letalidade policial, Paulo aponta que o debate sobre segurança pública precisa ser abraçado pela sociedade civil: “é preciso que a gente crie programas de letramento sobre segurança pública, para explicar para o cidadão o que é o uso progressivo da força, que o policial que atira nas costas não é algo que pode passar pela possibilidade de ser algo razoável; que jogar, saltar que o tiro é só o último recurso de um conflito que o policial pode evitar de outras formas. A única saída é a ação de civis para ocuparem o debate sobre segurança pública no Brasil e aumentar radicalmente o controle social externo sobre as instituições de segurança e justiça”.

 

Assista à entrevista na íntegra na gravação do UOL News, a partir de 01h47min:

 

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