Descrição
Esqueça o Antropoceno. As múltiplas intervenções climáticas que nos trouxeram à antessala do colapso não são resultado do fogo prometeico entregue a uma espécie piromaníaca. O aquecimento global é fruto de intervenções antropogênicas no clima, por certo — mas “perceber que as mudanças climáticas são ‘antropogênicas’ significa compreender que elas são sociogênicas”, escreve Andreas Malm. E os combustíveis fósseis estão na base do desenvolvimento dos “negócios de sempre” do capitalismo industrial.
Em Capital fóssil, Malm faz uma incursão histórica às origens do que ele chama de economia fóssil, isto é, “uma economia baseada no consumo crescente de combustíveis fósseis, que gera um aumento contínuo de emissões de dióxido de carbono. Essa economia, afirmamos, é o principal motor do aquecimento global”. Suas raízes estão na Inglaterra da Revolução Industrial — mais especificamente, quando os industriais do século XIX trocaram as rodas d’água por motores a vapor e começaram a queimar toneladas de carvão para maximizar a produção e os lucros.
Esgaravatando a origem do problema, Malm recupera documentos do Parlamento inglês, memorandos de fábricas, depoimentos de industriais e de operários, numa pesquisa exaustiva a respeito da gênese dos combustíveis fósseis e de seu papel crucial na dominação do capital sobre a força de trabalho. E, entre as conclusões reveladoras dessa incursão histórica, o autor afirma que, “em certo estágio do desenvolvimento histórico do capital, os combustíveis fósseis se tornaram um substrato material necessário para a produção de mais-valia”. Mais ainda: os combustíveis fósseis se tornaram “a alavanca geral para a produção de mais-valia […] uma vez que são utilizados ao longo de todo o espectro da produção de mercadorias como material que põe o processo em movimento”. A energia fóssil, portanto, “alimenta o perpetuum mobile da acumulação de capital, que sempre se reacende como um fogo que anima a produção, e o ciclo continua indefinidamente”.
Tão intricados estão combustíveis fósseis e capitalismo que não é viável abandonar apenas um deles. Este livro exibe dois séculos de evidências de que não houve nem haverá capitalismo verde. A única saída de emergência para o planeta em chamas exige uma transição energética — que, Malm deixa claro, demanda antes de tudo um rompimento completo com a economia capitalista.
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Até agora, e por razões particulares, nem a história ambiental nem a história do trabalho esteve muito propensa a ligar os pontos entre os trabalhadores e o ambiente mais amplo, entre a classe e o clima. O mesmo silêncio reina na pesquisa sobre energia durante a Revolução Industrial. De fato, as mudanças climáticas permanecem, em si mesmas, sobretudo como objeto das ciências naturais, apesar de um surto recente de interesse dentro das ciências sociais. Somos inundados por dados sobre efeitos catastróficos, mas há uma pobreza comparativa de ideias e análises relativas a suas causas e seus impulsionadores. Ou, para parafrasear Marx: a maior parte da ciência climática ainda habita essa atmosfera silenciosa, na qual tudo se passa à luz do dia, mas não adentra o terreno oculto da produção, onde os combustíveis fósseis são de fato produzidos e consumidos. Ao menos por ora, os cientistas naturais vêm interpretando o aquecimento global como um fenômeno que ocorre na natureza; a questão, no entanto, consiste em rastrear suas origens humanas. Somente assim preservaremos ao menos uma possibilidade hipotética de mudança de curso.
— Andreas Malm, no capítulo 1