Nós, filhos de Eichmann

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Nós, filhos de Eichmann:
carta aberta a Klaus Eichmann
Autor: Günther Anders
Tradução e posfácio: Felipe Catalani
Orelha: Maurício Reimberg
Edição: Tadeu Breda
Assistência de edição: Luiza Brandino
Preparação: Bonie Santos
Revisão: Diana Soares Cardoso & Mariana Brito
Capa & Projeto gráfico: Mateus Valadares
Direção de arte: Bianca Oliveira
Diagramação: Victor Prado
Lançamento: março de 2023
Páginas: 112
Dimensões: 13,5 x 21 cm
ISBN: 9788593115677

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Descrição

Apesar de terem sido escritas há décadas, e de se endereçarem ao filho do oficial que administrava a máquina de extermínio nazista, as cartas reproduzidas neste livro possuem uma atualidade na menos que assombrosa. A seu interlocutor, Klaus Eichmann, primogênito de Adolf — caçado, julgado e condenado à forca por Israel no início dos anos 1960 —, o filósofo judeu Günther Anders esclarece que não quer remexer o passado, mas falar do futuro: “é necessário buscar aquelas raízes que não se extinguiram após o colapso do sistema do terror de Hitler e de seu pai”. Seu maior pesadelo é a repetição da monstruosidade, que para ele é resultado do avanço frenético da técnica e da incapacidade do ser humano de sequer imaginar a magnitude do poder de destruição que desenvolveu. Ao tentar convencer o filho a romper com a herança paterna, fica claro que Anders está falando a todos nós, conclamando ao pensamento crítico e à consciência sobre em que medida nossas ações cotidianas, nosso trabalho, a forma como inocentemente ganhamos a vida, contribui para a destruição do mundo — e do outro.

***

Para Anders, no mundo fordista o trabalhador já não conseguia imaginar os efeitos distantes de suas ações, dado o triunfo irrefutável do aparato técnico de produção. Assim, as piores atrocidades podem ser realizadas como se fossem um trabalho trivial, sem culpa nem remorso. Ou seja, todos poderíamos nos tornar cúmplices ou vítimas de uma máquina de extermínio. Isso não eliminaria a “oportunidade moral positiva”, diz Anders. No entanto, na medida em que a ideia de futuro se inscreve no tempo presente enquanto ameaça impessoal e permanente, a negação da ordem existente torna-se mais problemática, deixando-se de se processar nos termos próprios da norma progressista. Tanto assim que Anders se volta a uma militância “antiapocalíptica”, definida pela tentativa radical de adiar o horizonte de extinção da humanidade. […] O desencontro histórico entre a obra de Anders e o Brasil mereceria reflexão à parte, sobretudo agora que se recicla entre nós a fraseologia do capitalismo inclusivo, já quase inteiramente desprovida de função mobilizadora para a imaginação social e política. Se assim for, estas cartas a Klaus Eichmann ganham, finalmente, a chance de buscar seu destinatário brasileiro.

— Maurício Reimberg, na orelha

 

SOBRE O AUTOR

Günther Anders, pseudônimo de Günther Siegmund Stern, nasceu em 1902, na Breslávia, então território do Império Alemão. Doutor em filosofia pela Universidade de Freiburg, foi reconhecido como um fenomenólogo brilhante por seus professores Edmund Husserl — aliás, orientador de sua tese de doutorado, defendida em 1924 — e Martin Heidegger — em cujas aulas conheceu Hannah Arendt, com quem foi casado entre 1929 e 1937. Nesse período, aproximou-se dos círculos da vanguarda literária da República de Weimar e manteve contato com escritores como Bertolt Brecht e Alfred Döblin. Com o avanço do nazismo, exilou-se primeiro na França, em 1933, onde conviveu com Walter Benjamin, seu primo de segundo grau, e, três anos depois, nos Estados Unidos. Trabalhou em ramos diversos, inclusive como operário de fábrica — experiência determinante para suas análises da automação na sociedade industrial, desdobradas em seu principal livro, Die Antiquiertheit des Menschen [A obsolescência do homem]. Escritor polivalente, teve uma obra vasta e diversificada: além de textos filosóficos e ensaios de crítica da cultura, dedicou-se a gêneros diversos (romance, poema, fábula, diálogo de ficção, carta e diário), não raramente incorporados em sua prosa teórica. Enquanto crítico literário, seu livro Kafka: pró e contra (Cosac Naify, 2007) impactou autores como Geörgy Lukács e Theodor Adorno. Testemunha da destruição civilizacional generalizada do século XX, dedicou suas reflexões ao potencial de autoaniquilamento da humanidade e à “mutação da alma” no capitalismo tardio. Além de escritor e teórico, foi militante antifascista na juventude e, no pós-guerra, engajou-se profundamente na luta antinuclear, tendo dedicado parte significativa de sua obra à ameaça atômica. Faleceu aos noventa anos em Viena, na Áustria, em 1992.