Descrição
Às mulheres cabe o cuidado tanto dos indivíduos como da humanidade. Suas ações são socialmente inferiorizadas e esquecidas na elaboração teórica, sendo que, no processo de sexualização da mulher, fica decidida a sua subordinação ao homem e está inscrita a sua marginalização social. O homem é pensado como herói e como ativo. Assim, a natureza tem de ser produtivamente submetida e dominada. O homem está a todo momento em concorrência com outros. […] Daí que, em uma formulação sensacionalista, também se pode falar do sexo masculino como “o sexo do capitalismo”, tendo presente que a ideia dominante de “sexo” na modernidade é, de modo geral, uma versão dualista de “masculinidade” e “feminilidade”. Assim, o modelo de civilização da produção de mercadorias tem como pressuposto a humilhação e a marginalização das mulheres, bem como o simultâneo desprezo do social e da natureza. Esses momentos são empurrados para a esfera da reprodução, onde levam uma existência abstrata e tacanhamente privada.
— Roswitha Scholz
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A década de 1990 é um marco importante no balanço dos resultados da modernização capitalista. Na contramão das explicações dominantes, a crítica do valor alemã buscou compreender o colapso soviético com categorias marxistas, indo, no entanto, além dos fundamentos do velho movimento operário, centralizando a crítica do fetichismo e lendo Marx desse ponto de vista. Roswitha Scholz é parte desse esforço, com a particularidade de observar essas questões sob as lentes da teoria feminista trazida desde maio de 1968 — por exemplo, ao relacionar capitalismo, repressão das mulheres, destruição da natureza e processos de colonização do chamado “Terceiro Mundo”. A autora então cunha a formulação “o valor é o homem”, conectando as elaborações da crítica do valor, a “dialética do esclarecimento” e a crítica da lógica da identidade de Adorno. Dessa primeira formulação, surge a crítica do valor-dissociação, que parte do princípio de que a constituição da forma mercadoria, enquanto forma fundamental do processo de valorização do capital, dissocia os momentos da reprodução social que não pertencem ao trabalho abstrato, à forma valor e à forma dinheiro, tornando-os estruturalmente inferiores, e histórica e socialmente imputados às mulheres. Assim, a dissociação do feminino aparece como primeira condição para que o mundo da vida, cientificamente inapreensível, seja desprezado. E para que o sujeito supostamente neutro da modernidade seja, na verdade, homem, branco e ocidental.
Em O sexo do capitalismo, lançado agora no Brasil depois de mais de vinte anos, Roswitha Scholz estrutura e consolida sua impactante formulação. Ao situar a dissociação do feminino como pressuposto do processo social, estabelece novos marcos de reflexão tanto para a questão da violência sexista que atravessa a história do capitalismo quanto para o significado abrangente do colapso do patriarcado moderno. Divergindo tanto das concepções pós-modernas de gênero quanto da perspectiva que formula um modelo de eixos que intersecciona desigualdades e diferenças, a autora argumenta que problematizar estruturas de dominação e apresentar momentos críticos do capitalismo como circunstâncias induzidas externamente não resulta numa crítica categorial (e radical) desta forma de vida.
A teoria apresentada por Scholz nos permite compreender que a dissociação da reprodução da vida como condição necessária da lógica da produção de valor leva, no limite, a uma abstração total, evidente nos muitos aspectos da crise contemporânea. A irracionalidade da lógica abstrata do desenvolvimento que despreza o concreto sensível, a despeito da finitude da matéria, atua como se o próximo passo pudesse ser a colonização de um outro mundo. A crise do trabalho que emerge das revoluções tecnológicas corresponde ao absurdo de nos tornarmos supérfluos e descartáveis. E a desestruturação dos padrões tradicionais de gênero não representa a superação da violência determinada pela hierarquia sexual rígida própria do patriarcado moderno; ao contrário, o que se observa é a brutalidade de sua crise que reconstitui a feminilidade como matéria-prima, evocando os sacrifícios através dos quais esta forma social foi instituída. A obra que você tem em mãos consiste numa grande revolução teórica — uma contribuição crítica radical não apenas no que se refere à condição das mulheres, mas, sobretudo, a uma leitura da crise civilizacional da qual somos contemporâneos.
— Scheilla Nunes, na orelha
SOBRE A AUTORA
Roswitha Scholz nasceu em Nuremberg, Alemanha, em 1959. É cofundadora da revista exit! Krise und Kritik der Warengesellschaft [exit! Crise e crítica da sociedade das mercadorias], dedicada à circulação de textos da teoria crítica do valor (Wertkritik). É autora de Differenzen der Krise — Krise der Differenzen: die neue Gesellschaftskritik im globalen Zeitalter und der Zusammenhang von “Rasse”, Klasse, Geschlecht und postmoderner Individualisierung [Diferenças da crise — crise das diferenças: a nova crítica social na era global e a conexão entre “raça”, classe, gênero e individualização pós-moderna] (Horlemann, 2005), de Homo sacer e os ciganos: o anticiganismo — reflexões sobre uma variante essencial e por isso esquecida do racismo moderno (Antígona, 2004) e de diversos artigos sobre feminismo, teoria crítica do valor, marxismo e relações de gênero na modernidade/pós-modernidade.


















