Fita isolante apareceu originalmente entre agosto de 2020 e dezembro de 2021 nas redes sociais e na newsletter dominical da Elefante. Em uma espécie de folhetim em quadrinhos, breno construiu uma crônica impiedosa dos maiores absurdos políticos, sociais, econômicos e sanitários que nos acometeram durante os meses mais intensos e incertos da pandemia, além de exercer uma de suas especialidades: filosofar em imagens, praticamente sem fazer uso da palavra — que, convenhamos, tem se mostrado incapaz de descrever o completo absurdo em que passamos a viver no Brasil a partir de 2019 e, com mais intensidade, após a chegada do coronavírus.
Fizemos questão de reunir nesta pequena publicação as 75 doloridas tirinhas produzidas pelo artista no período porque a passagem do tempo lhes fez muito bem. Longe de terem ficado datadas, como se poderia imaginar, as cenas registradas em Fita isolante ganharam profundidade e relevância, transformando-se em documento histórico. Quase tudo que vivemos coletivamente sob o impacto inicial da covid-19 está aqui: nossa dependência triste da tecnologia, as paranoias higiênicas, os impulsos suicidas antimáscara e antivacina, a vontade de se mudar de planeta, a valentia — ou falta de alternativa — dos entregadores, as válvulas de escape que tivemos que encontrar para não pirar durante o isolamento, o desejo íntimo de dar cabo do presidente genocida ou, ao menos, de vê-lo preso.
Fita isolante é um livro que se lê chorrindo. As sacadas do breno às vezes arrancam risadinhas de quem se dispõe a decifrá-las, mas logo vem a reflexão — deveria eu achar graça nisso? — e a raiva, a indignação, a lágrima. É impossível prever para onde os rabiscos nos levarão. Reviver as primeiras ondas da pandemia, aqui, não tem nada a ver com masoquismo: este livro é sobre memória e justiça, sobre crise civilizacional e existencial, sobre surto e sanidade, e tantas tantas tantas outras coisas. E é por isso que precisa ser lido, não apenas uma vez, mas de tempos em tempos, sobretudo quando começarmos a esquecer — sim, porque nós temos esse péssimo hábito. Deixemos, pois, o esquecimento para dias melhores. Quando eles chegarem, certamente quadrinhos como estes não sairão da cabeça de gente talentosa como o breno. Então, talvez, poderemos rir sem nenhum rastro de culpa.