Descrição
“Quem produz o trabalhador?”, questiona Tithi Bhattacharya. “Qual o papel do café da manhã em sua prontidão para o trabalho? A educação que recebeu na escola não o ‘produz’, uma vez que o torna empregável?” Para a teoria da reprodução social, o trabalho humano está no centro da sociedade. Assim, os ensaios deste volume buscam compreender quem constitui hoje a classe trabalhadora em toda a sua subjetividade caótica, multiétnica, multigenerificada, e abordam a relação entre exploração de classe e opressão de gênero, raça e sexualidade. Na medida em que o neoliberalismo exclui alternativas de vida para a grande maioria — e a resistência popular cresce —, a teoria da reprodução social tem a oportunidade de desenvolver o marxismo como uma ferramenta real para entender o mundo e modificá-lo.
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Não é incomum nem totalmente infundada a crítica de que a esquerda marxista apresenta dificuldades históricas para lidar com as questões de gênero, raça e sexualidade. Contudo, entre o economicismo que resume a classe trabalhadora à figura do homem branco na fábrica e o identitarismo liberal tão em voga há muito mais do que sonha o vão antimarxismo.
A teoria da reprodução social (TRS), apresentada sob diferentes perspectivas neste livro, aparece nesse continuum como uma forma profícua de compreender as diferentes relações sociais que constituem a realidade concreta. Ao propor o resgate, em Marx, de uma compreensão ampliada da categoria “trabalho”, autoras e autores que se ligam à TRS indicam a urgência de reconsiderar o significado de “classe trabalhadora” numa perspectiva marxista que amplie a compreensão do conceito para perceber suas dimensões generificada, racializada, diversa e geograficamente localizada em uma totalidade capitalista contraditória.
— Grupo Teoria da Reprodução Social, na orelha
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A ideia fundamental da teoria da reprodução social (TRS) é, simplesmente, que o trabalho humano está no centro da criação ou reprodução da sociedade como um todo. A noção de trabalho é concebida aqui no sentido original pretendido por Karl Marx, ou seja, como “a primeira premissa de toda a história humana” — e que, ironicamente, ele próprio não conseguiu desenvolver plenamente. O capitalismo, no entanto, reconhece o trabalho produtivo para o mercado como a única forma legítima de “trabalho”, ao passo que a enorme quantidade de trabalho familiar e comunitário que continua a sustentar e a reproduzir o trabalhador ou, mais especificamente, sua força de trabalho, é naturalizada como inexistente. Contrários a essa interpretação, os teóricos da reprodução social compreendem a relação entre o trabalho que produz mercadorias e o que produz pessoas como parte da totalidade sistêmica do capitalismo. A teoria procura, assim, tornar visível o trabalho analiticamente oculto pelos economistas clássicos e politicamente negado pelos formuladores de políticas. […]
A TRS nos dá a oportunidade de refletir sobre as diversas maneiras pelas quais o momento neoliberal nos forçou a reavaliar a potência e a eficácia de certos termos anteriormente não contestados na tradição marxista. Categorias conceituais como “classe”, “economia” ou mesmo “classe trabalhadora” não podem mais ser preenchidas com os dados históricos do século XIX que estavam disponíveis para Marx. Isso não as invalida como categorias. Em vez disso, nosso tempo histórico exige que nos envolvamos rigorosamente com essas categorias e que as façamos representar nossa própria totalidade político-histórica.
— Tithi Bhattacharya, na Introdução
SOBRE A ORGANIZADORA
Tithi Bhattacharya é professora de história sul-asiática e diretora de estudos globais na Universidade Purdue, nos Estados Unidos. Ativista de longa data por justiça social e pelos direitos do povo palestino, Bhattacharya escreve principalmente sobre teoria marxista, gênero e islamofobia. Com Nancy Fraser e Cinzia Arruzza, escreveu Feminismo para os 99%: um manifesto (Boitempo, 2019).