Descrição
Este livro revela que os povos originários da terra a que hoje chamamos Brasil há muito tempo recorrem à justiça como uma das arenas possíveis de luta contra o avanço da colonização sobre seus corpos e territórios. Quem ainda se surpreende com advogados indígenas defendendo os “parentes” nas mais altas instâncias judiciais do país e do mundo devia saber que seus antepassados já moviam processos nas cortes coloniais desde pelo menos o século xviii, recorrendo das decisões, se preciso, até que o assunto fosse apreciado pelo rei de Portugal. Eis as “cativas litigantes” descritas nestas páginas: indígenas, sobretudo mulheres, que foram aos tribunais da época com o objetivo de libertar a si e a seus familiares da escravidão a que estavam submetidas nas regiões do Pará e do Maranhão — e, na maioria das vezes, conseguiram. Com esta premiada pesquisa, Luma Ribeiro Prado ilumina questões pouco conhecidas da história dos povos ancestrais e do protagonismo das mulheres indígenas em um incessante e admirável processo de resistência ao apagamento.
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Como mulher indígena do povo Mura, que por meio da história oral vem tecendo as memórias ancestrais — as quais, nesse processo histórico de introdução do indígena na sociedade nacional, foram invisibilizadas desde o tempo das avós e avôs de minhas tataravós e meus tataravôs —, foi impossível não me emocionar com a leitura de Cativas litigantes. Senti orgulho das parentes indígenas e principalmente das mães indígenas que enfrentaram um contexto desfavorável sem nunca desistir de lutar por melhores condições de vida. Mas também senti a dor de uma ferida que ainda sangra e nunca sara, deixada pela violência colonial no nosso corpo e espírito. Na narrativa histórica tecida por Luma Ribeiro Prado, pude ver minhas antepassadas entre as mulheres indígenas arrancadas de seus territórios, mortas ou escravizadas. Ao mesmo tempo que a ferida sangra, porém, o espírito de resistência se renova junto com Tuíra, merecidamente lembrada e homenageada pela autora. Todas as outras mulheres guerreiras de ontem e de hoje seguimos na luta por direitos, defendendo nossos corpos-territórios, reverberando essa memória inscrita em nossos próprios corpos e que encontra eco neste importante trabalho historiográfico.
— Márcia Mura, na orelha
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O livro de Luma Prado vem se somar às importantes pesquisas acadêmicas de etno-história das últimas décadas que levantaram o interdito de que, para os indígenas, não há história, só há etnografia (Varnhagen).. […] O conhecimento do passado, das circunstâncias que possibilitam, mas também limitam, a luta indígena por meio das instituições e do direito, pode ser apropriado e ressignificado pelos povos tradicionais contemporâneos, tarefa que cabe às Antonias, Annas, Ângelas, Catarinas, Esperanças, Hilárias, Vitórias. Ontem e hoje, há uma miríade de formas de resistência, “the weapons of the weak”, como chama James Scott […]. Mutatis mutandis, a história deste livro tem, não resta dúvida, ressonância no presente.
— Samuel Barbosa, no prefácio
SOBRE A AUTORA
Luma Ribeiro Prado é de Itanhandu, na Serra da Mantiqueira. Aos dezessete anos, deixou Minas Gerais para estudar na Universidade de São Paulo (USP), onde se formou historiadora, professora e mestra. Venceu o Prêmio História Social da USP (2020) com a dissertação que deu origem a este livro. Trabalhou com história pública no De Olho nos Ruralistas — Observatório do Agronegócio no Brasil. Contribui para a implementação da Lei 11.645/2008 (que determina o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena na educação básica) produzindo e avaliando materiais didáticos, e oferecendo consultorias. Atualmente, compõe a equipe do Programa Povos Indígenas no Brasil do Instituto Socioambiental (ISA). Em sua trajetória acadêmica e profissional, busca atuar como aliada dos povos indígenas.