
Pappe: ‘Solução de dois Estados é impraticável, Palestina existiria só no papel’
por Opera Mundi
O historiador israelense Ilan Pappe, reconhecido mundialmente por sua crítica ao projeto sionista e por denunciar sistematicamente o apartheid imposto à Palestina, reafirmou sua oposição à chamada “solução de dois Estados” para o conflito israelo-palestino.
Para ele, além de inviável no cenário atual, a proposta é moralmente equivocada: “é necessário ter um Estado democrático do rio ao mar. Em qualquer outra estrutura, a igualdade não estaria garantida”. O historiador deu uma entrevista exclusiva ao jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman, no programa 20 Minutos.
Assista à entrevista completa:
“Do ponto de vista moral [da solução], também acredito que é errado, porque trata apenas de parte da Palestina histórica. A Cisjordânia e a Faixa de Gaza representam apenas 20% da Palestina histórica e contemplam apenas o futuro de parte do povo palestino — na verdade, menos da metade. Além disso, é muito claro que a solução de dois Estados reflete o equilíbrio de poder, e não um senso de justiça. De acordo com esse equilíbrio, fica evidente que os palestinos receberiam algo que não seria realmente um Estado — talvez um bantustão, uma autonomia semelhante à da África do Sul no apartheid”, disse.
Ao ser questionado sobre as raízes do sionismo, Pappe contextualizou que a principal característica desse “tipo de colonialismo” é a necessidade de eliminar os povos nativos. “É isso que o sionismo se tornou: um movimento cujo preço é a destruição da Palestina e do seu povo”, afirmou o historiador ao declarar que o sionismo “se transformou em um movimento racista”.
Pappe defendeu a separação entre judaísmo e sionismo, enquanto religião e ideologia política, respectivamente. Para ele, a trajetória do Estado israelense, especialmente a partir de 1970, foi marcada pela escolha deliberada de consolidar-se como Estado étnico e racista em detrimento de valores universais. “A sociedade israelense decidiu que, para sobreviver como Estado judeu, deveria abrir mão de valores universais e se concentrar em valores que chamo de teocráticos, racistas e até fascistas”.
O historiador rejeita a noção de que possa existir uma vertente progressista do sionismo, alegando ser contraditório. “Se você acredita em valores universais, você não pode combinar isso com uma ideologia étnica ou racista, essa foi a principal razão para o fracasso, é muito mais um desejo interno de reconciliar uma realidade impossível, mas na prática, nada acontece que justifique essa afirmação”.
Sem justificar a ofensiva do Hamas em outubro de 2023, Pappe defendeu que é preciso compreender o contexto histórico:
“Foi uma resposta a 77 anos de expropriação e a mais de 17 anos de cerco bárbaro a Gaza. Metade da população de Gaza tem menos de 21 anos e só conhece a realidade de um gueto bombardeado três vezes antes de 2023. É uma sociedade jovem, traumatizada, submetida a uma violência que nem parte da população da Segunda Guerra viveu”.
Ele acusa Israel de praticar um “genocídio gradual”, lembrando que, desde 2009, o governo controla até o número de calorias permitidas à população de Gaza, como parte de sua pressão sobre a população para agir contra Hamas, “na minha opinião, isso já constituía uma espécie de genocídio”.
Sanções a Israel
Pappe disse apoiar o movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), defendendo que a pressão internacional é fundamental para conter a violência e frear os crimes de Israel na Faixa de Gaza.
“Acho que a única maneira de parar Israel é com uma pressão muito forte desde o princípio. É possível. Mesmo que os Estados Unidos não estejam dispostos a fazer isso, a Europa tem o poder de fazê-lo, mas tem medo. Se a União Europeia impusesse sanções a Israel, interrompesse a relação ‘especial’ que tem com Israel, ou tomasse medidas como retirar as equipes esportivas israelenses dos projetos e torneios europeus, acho que isto pelo menos impediria o genocídio”, afirmou.