A vontade de mudar: bell hooks, Bolsonaro e o julgamento da masculinidade tóxica

Por Paulo Silva Junior

Basta Jair Bolsonaro voltar aos holofotes da mídia — agora por uma boa razão, já que poderá acabar na cadeia junto à sua claque de generais golpistas — que sua figura abjeta, epítome do país que não queremos, volta a despertar as piores reações. São momentos perfeitos para retomar os ensinamentos de bell hooks, sobretudo em A vontade de mudar, e compreender que outra masculinidade é possível.

Não é fácil olhar ao redor e, diante de nossa sociedade, encontrar a disposição da autora. Neste livro, ela mobiliza suas reflexões ao fato dos homens também precisarem de ferramentas e ajuda para demonstrarem seus sentimentos fora das convenções masculinas. Ao invés de negá-los, entendê-los como resultado da força do patriarcado.

“(…) A única verdade clara que aprendi com os homens que conheci é que eles querem encontrar o amor e querem saber como amar. Simplesmente não há literatura suficiente que responda de forma direta e íntima a essa necessidade. Depois de escrever um livro sobre o amor, um especificamente sobre pessoas negras e o amor, e outro concentrado na busca das mulheres pelo amor, eu quis ir além e escrever sobre homens e o amor”, diz hooks ainda no primeiro capítulo.

Então a base da autora é essa: os homens não vão mudar se não houver um projeto conjunto, envolvendo as mulheres, de mudança. Ela acredita que os homens precisam saber um caminho para chacoalhar a perspectiva e acessar os sentimentos. Para superarem esse senso de dominar tudo à sua volta e conhecerem, finalmente, o amor. Ela confia que podem ainda corrigir a rota. 

“O patriarcado é a mais letal entre as doenças sociais que afetam o corpo e o espírito masculino em nosso país. Contudo, a maioria dos homens não usa a palavra ‘patriarcado’ no cotidiano. A maioria dos homens nunca pensa sobre o patriarcado — o que significa, como surge e como é mantido. Muitos homens em nosso país não seriam capazes de soletrar ou pronunciar essa palavra corretamente: ‘patriarcado’ não faz parte do seu pensamento ou do seu discurso habitual. Homens que já ouviram e conhecem essa palavra costumam associá-la à libertação das mulheres, ao feminismo — e, portanto, a consideram irrelevante a suas próprias experiências. Há mais de trinta anos subo em palanques para falar sobre o patriarcado. É uma palavra que uso todos os dias, e homens que me ouvem pronunciá-la muitas vezes me perguntam o que quero dizer com ela”, continua um pouco mais adiante, no capítulo dois.

O texto de bell hooks vai seguir por temas como infância, sexualidade, violência, trabalho e mídia, e vai chegar na ideia de masculinidade feminista. Ela considera que intelectuais mulheres erraram ao considerar que elas alcançariam a liberdade garantindo o direito de ser como os homens patriarcais poderosos, e que os homens que se importavam com o tema e que estavam abertos à mudança acabaram desistindo. “Assim que o ‘novo homem’, que é o homem transformado pelo feminismo, foi representado como covarde, como um banana dominado por mulheres poderosas que desejavam em segredo um cara macho, muitos homens perderam o interesse”, pontua.

Então hooks não pensa em odiar os homens, mas em elaborar sobre a crise que está posta. Aquela em que filhos, companheiros, pais, amigos e colegas abdicaram da capacidade de viverem sua essência, por inteiro, em razão de estarem sob a cultura patriarcal. O coração que não está preparado para dar e receber amor; o menino que aprende que seus sentimentos não podem ser expressos se não foram os aceitáveis do ambiente masculino, traindo a si mesmos; os adultos mutilados em suas possibilidades de dizer a verdade, tornando-se, portanto, incapazes de confiar.

E assim ela finaliza essa corajosa e sentida declaração de amor aos homens, sem poupar críticas, é verdade, mas aberta a sugerir que a instalação do patriarcado rende um prejuízo para toda a sociedade. Também não teme lembrar que muitas vezes esse ambiente acaba sustentado pelas próprias mulheres. No fim das contas, bell hooks grita exatamente pelo que estampa a capa do livro, numa vontade de mudar.

“Muitas de nós vivemos a verdade de que reconhecer as formas como fomos feridas costuma ser um processo mais simples do que encontrar e sustentar uma prática de cura. Vivemos em uma cultura em que é aceito e até encorajado que as mulheres apoiem os homens completamente quando eles estão fazendo o trabalho da destruição. No entanto, precisamos criar um mundo que nos peça para ficar ao lado de um homem quando ele está buscando cura, quando está buscando recuperação, quando está trabalhando para ser um criador. O trabalho de recuperação relacional masculina, de reconexão, de formação de intimidade e criação de comunidade nunca pode ser feito de forma solitária. Em um mundo onde meninos e homens se perdem diariamente, devemos criar guias, sinalizações, novos caminhos. Uma cultura de cura que capacite os homens a mudar está em formação. A cura não ocorre no isolamento. Homens que amam e homens que desejam amar sabem disso. Precisamos ficar ao lado deles, de coração e braços abertos. Precisamos estar prontas para abraçá-los, oferecendo um amor que possa abrigar seu espírito ferido enquanto eles buscam encontrar o caminho de casa, enquanto exercitam a vontade de mudar.”

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