Audre Lorde e sua poética em uma biomitografia
Por Raíssa Araújo Pacheco
Publicado em Outras Palavras
No dia 17 de novembro de 1992, uma das escritora mais prolíficas dos últimos tempos nos deixou. Audre Lorde e sua escrita engajada, sua prosa militante e sua perspectiva única tocou mentes e corações mundo adentro.
“Negra, lésbica, feminista, socialista, mãe, guerreira e poeta”, foi assim que se descreveu. Não somente mulher de palavra, Lorde era ser de ação e dedicou seu talento para confrontar todas as formas de opressão e injustiça.
De maneira lúcida, sempre reforçou que não há uma “hierarquia das opressões”, mesmo que ela mesma se encontrasse nessa encruzilhada.
“Por estar em todos esses grupos, aprendi que a opressão e a intolerância com o diferente existem em diversas formas, tamanhos, cores e sexualidades; e que, dentre aqueles de nós que têm o mesmo objetivo de libertação e de um futuro possível para as nossas crianças, não pode existir uma hierarquia de opressão. Eu aprendi que sexismo (a crença na superioridade inerente de um sexo sobre todos os outros e, assim, seu direito de dominar) e heterossexismo (a crença na superioridade inerente de uma forma de amar sobre todas as outras e, assim, seu direito de dominar) vêm, os dois, do mesmo lugar que o racismo – a crença na superioridade inerente de uma raça sobre todas as outras e, assim, seu direito de dominar.”
Em homenagem à tão única personalidade, que coincidentemente nos deixou poucos dias antes da data em que atualmente celebramos o Dia da Consciência Negra (20 de novembro), Outras Palavras e Editora Elefante irão sortear Zami: Uma nova grafia do meu nome – Uma biomitografia.
Lançado no Brasil, pela Editora Elefante, em dezembro de 2021, o escrito “narra os primeiros passos até a ‘casa de si mesma’”. 23 anos da vida da autora são recordados – “da infância marcada pela personalidade grandiosa da mãe, pela descoberta do mundo, da injustiça e do pertencimento; da adolescência, quando florescem os primeiros poemas; da juventude, com a descoberta do amor homossexual e as consequentes dificuldades de ser lésbica e negra nos anos de 1950.”
“Zami é a força dessas mulheres que amam umas às outras”
No livro, não é a grande poeta reconhecida e liderança do movimento lésbico e negro que acompanhamos, conhecemos uma Lorde que ainda vai chegar lá. No entanto, sua poética e sensibilidade já reside em cada linha.
“Este não é um livro para se apressar: como um poema, está repleto de muitas coisas, é preciso fazer uma pausa e refletir a respeito”, nos conta Danika Ellis no Lesbrary (mas você pode ler a tradução no blog da Elefante).
A brochura é um mergulho em muitos oceanos. Não só experiências traumáticas figuram ali, mas também suas aventuras excitantes e sua transbordante vontade de experimentar o mundo e “suas cores”, representada na parte em que descreve a época em que foi morar no México sozinha, por conta de uma aventura amorosa e nos modos como usa cores em suas metáforas, como ao contar como sua mãe “sabia que coisas verdes eram preciosas”.
Assim como a obra completa da escritora, Zami interliga ela mesma, sexualidade, maternidade, relações humanas e política em conjunto coeso de ideias. Explorando questões universais e particulares que atravessam raça, gênero, classe e sexualidade a partir de sua experiência pessoal, porém, não de maneira generalizante, muito menos a partir de categorias que excluem.
“Zami guarda histórias pelas quais almejamos porque são nossas histórias”
Digamos que Audre, por ter estado no lugar particular de vivência em que esteve – e por ser escritora –, foi uma das primeiras a conseguir elaborar tais questões de maneira tão própria, tão única e tão sensível.