Contra o tecnonazifascismo, a resistência dos povos nos territórios
Por Tadeu Breda
editor
Não houve nada mais impactante na última semana do que a declaração de Donald Trump durante a visita de Benjamin Netanyahu à Casa Branca. Estamos falando, aqui, da ponta de lança do nazifascismo global: o primeiro-ministro arquigenocida de Israel, contra o qual pesa um mandado de prisão por crimes contra a humanidade; e o sujeito que quer fazer os Estados Unidos “great” de novo, com tudo que isso implica: supremacia branca, concentração de renda, aquecimento global, intensificação do imperialismo, desumanização, guerra.
Lado a lado, em tempos nos quais a extrema direta perdeu todo o pudor de externalizar seus mais sinceros desejos, só podiam anunciar planos de limpeza étnica em um território que há décadas (e, mais agudamente, há meses) enfrenta uma limpeza étnica. Desta vez, porém, tais planos foram incrementados com a proposta de uma inédita reconversão econômica e turística da matança. Trump gostaria de transformar Gaza em um resort — “Riviera”, em suas palavras — devido às maravilhosas belezas naturais daquele cantinho do Mediterrâneo.
Como de costume desde que figuras como essas ascenderam ao poder em vários países, ficamos boquiabertos. Ainda não entendemos que tudo se trata de estratégia discursiva, e que as velhas formas de combatê-la (com a lei, com a verdade dos fatos) é absolutamente ineficaz.
Parte significativa da população e da classe política israelense se regozijou (Ben-Gvir disse que estaria pronto para voltar feliz e contente ao governo, de onde saiu devido ao recente cessar-fogo, se a remoção forçada de 2,5 milhões de palestinos fosse colocada em prática) e os principais opositores de Netanyahu, como Gantz e Lapid, ambos sionistas, simplesmente silenciaram. Nenhuma novidade.
Líderes mundiais correram para condenar tão hediondas intenções: “ilegal perante o direito internacional”, “crime de guerra perante a Convenção de Genebra” (como se essas legislações já não tivessem se transformado em letra morta), “isso vai desestabilizar ainda mais o Oriente Médio” (como se algum deles quisesse estabilidade). Tampouco há novidades por aqui.
A relatora especial da ONU para os territórios palestinos ocupados, Francesca Albanese, é a que teve o discurso mais duro, dizendo que a “comunidade internacional” precisa se unir para deter gente como Trump e Netanyahu e suas ideias enquanto há tempo. Mas Albanese vem endurecendo o discurso desde a primeira semana do genocídio palestino cometido por Israel em Gaza, sem que nada tenha mudado — falar é só o que ela pode fazer, sem que seja ouvida e muito menos levada em conta por quem detém o poder. Até porque quem detém o poder está do lado do genocídio. Nada de novo, de novo.
Não se sabe se Trump vai anexar Gaza, como disse que faria, assim como não sabemos se tomará a Groenlândia, o Canadá e o Canal do Panamá. O que sabemos é que suas intenções estão cada vez mais claras — e não respeitam qualquer limite. Havendo correlação de forças favoráveis, certamente fará tudo que deseja. E correlação de forças, os atuais tecnonazifascistas sabem muito bem, se constrói. Diariamente. É isso que todos eles estão fazendo, em todos os lugares do mundo, sem descanso, com microfones, tuítes e bombas, neste exato momento.
O que resta do outro lado é a resistência dos povos em seus territórios — e não nas redes sociais. Nesse aspecto, não há exemplo maior e mais sensacional do que a resistência palestina. Isso ficou mais uma vez demonstrado pelas trocas de reféns realizada por Hamas, Jihad Islâmica e Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) com Israel nas últimas semanas.
Depois de quinze meses de um bombardeio ininterrupto que matou mais de 48 mil pessoas e reduziu Gaza a escombros — um genocídio brutal transmitido ao vivo —, os combatentes palestinos surgiram dos lugares mais destruídos da faixa com uniformes limpinhos, armas em punho e carros lustrosos para entregar seus prisioneiros à Cruz Vermelha — a maioria, até agora, em bom estado de saúde, apesar das péssimas condições de sobrevivência criadas por Israel no enclave.
Como é possível a esses exércitos de libertação cercados por todos os lados em um pedacinho de terra, debaixo de uma ofensiva inclemente, vigiados com a mais avançada das mais avançadas das tecnologias, atacados pelo estado da arte da inteligência artificial provida por Google e Amazon e outras empresas high-tech, em uma aliança das maiores potências ocidentais, resistir, causar baixas constantes no ocupante e ressurgir com tamanha força?
Estamos diante de momentos inéditos e surpreendentes da história. Não só porque a extrema direita avança — ou porque os tecnonazifascistas nunca foram tantos e tão fortes, nem contaram com tamanho poder de destruição — mas porque a resistência dos povos nos territórios se mostra mais tenaz do que nunca.
E a tenacidade dessa resistência pode ser vista com muita clareza nos túneis de Gaza, e em toda aquela faixa territorial, regressando a pé com trouxas nas costas para as casas destruídas, dizendo ao mundo que reerguerão cada prédio demolido, enterrarão cada cadáver encontrado nos escombros, replantarão cada oliveira arrancada e não arredarão pé do lugar que lhes pertence.
São os palestinos, assim como os zapatistas, os Guarani, os Mapuche, os sem-terra — e tantos outros. São os povos lutando contra a ampla aliança do tecnonazifascismo (e de seus envergonhados aliados liberais e socialdemocratas), contra tudo e contra todos, defendendo a própria vida. São eles a nossa única esperança contra a máquina de destruição do homem branco ocidental que volta a se levantar das catacumbas do colonialismo e projeta uma sombra de extermínio pelo mundo.