
Do rio ao mar: Pappe defende Estado único e livre na Palestina
Em passagem pelo Brasil para participar de eventos em Paraty e São Paulo, Ilan Pappe, de Brevíssima história do conflito Israel-Palestina e A maior prisão do mundo, realizou uma série de conversas com jornalistas — além de ser alvo do lobby sionista que tentou impedir ou cancelar suas falas públicas. Aqui, temos uma seção com essas matérias e entrevistas em nosso site. Segue abaixo uma reportagem da Folha de S. Paulo diante de uma mesa de debate realizada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP nessa terça-feira (5/ago).
Por Nathalia Dunker
Publicado na Folha de S. Paulo
O historiador judeu israelense Ilan Pappe criticou o que chama de genocídio palestino e defendeu a criação de “um Estado democrático e livre para todos” na região em evento realizado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP (Universidade de São Paulo) nesta terça-feira (5).
Em sua fala, Pappe afirmou que apenas um Estado único, com igualdade plena de direitos para palestinos e judeus, pode encerrar o ciclo de violência e segregação que marca a história da região desde 1948. “Não se trata de apagar Israel, mas de reconstruir a possibilidade de uma vida comum, do rio ao mar”, declarou.
Professor da Universidade de Exeter, no Reino Unido, e autor de 26 livros, Pappe saiu da Universidade de Haifa — cidade israelense onde nasceu e onde sua família vive — após perseguições políticas decorrentes de seu posicionamento crítico ao Estado de Israel.
A defesa de um Estado binacional como solução para o conflito entre israelenses e palestinos é popular entre setores da esquerda, mas criticada por aqueles que acreditam na necessidade da existência de um Estado próprio para judeus — um país só na região, necessariamente, não seria mais um Estado judaico.
Por essa razão, quase toda a comunidade internacional, inclusive o Brasil, apoia a solução de dois Estados — Israel e Palestina, vivendo lado a lado. Críticos dessa alternativa, por sua vez, dizem que Tel Aviv jamais permitirá a criação de um Estado palestino plenamente soberano e que, enquanto isso, trabalha para minar a possibilidade ao incentivar assentamentos judaicos na Cisjordânia.
Durante sua passagem pelo Brasil, sua participação na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), na Flipei (Festa Literária Pirata das Editoras Independentes) e em universidades públicas, Pappe enfrentou pressões de algumas entidades pró-Israel, incluindo pedidos de cancelamento das falas e exigências de “contrapontos ideológicos”.
O diretor da FFLCH, Ádrian Pablo Fanjul, afirmou que há tentativas de importar ao Brasil o modelo de repressão a universidades adotado durante o governo de Donald Trump nos Estados Unidos.
Tanto Pappe quanto Fanjul, ambos judeus, criticaram o que chamaram de “manipulação do conceito de antissemitismo”, usada para silenciar críticas ao Estado de Israel. “Confundir antissionismo com antissemitismo é uma distorção perigosa que impede o debate necessário sobre os crimes cometidos contra o povo palestino”, afirmou o historiador israelense.
A Folha mostrou que Fanjul recebeu uma carta da organização judaica internacional Bnai Brith, que expressou “profunda preocupação” com a realização da palestra de Pappe. O texto diz que o historiador promove “discurso de ódio” e sugere que a presença de outro palestrante poderia “equilíbrio dos fatos” e termina pedindo a “reconsideração” da participação de Pappe no evento.
O texto afirma que Pappe é conhecido por discursos “agressivos, que extrapolam os limites da crítica política legítima” e alimentam o “antissemitismo contemporâneo”. Fanjul classificou a situação de “insólita”.
Durante o evento na USP, Pappe também criticou as pressões exercidas sobre universidades em todo o mundo para que evitem o uso da palavra “contexto” ao tratar do conflito na Palestina, citando especialmente o caso da Alemanha. “Dar o contexto não é um gesto revolucionário —é simplesmente o que faço como historiador. É meu trabalho e minha responsabilidade”, afirmou.
Pappe integra o grupo da “nova historiografia israelense”, grupo de historiadores que revisaram os arquivos do Estado de Israel a partir dos anos 1980, enquanto estavam abertos. Com base em documentos militares e estatais anteriormente sigilosos, ele denuncia a fundação do país sobre a expulsão de palestinos em 1948, processo que descreve como uma limpeza étnica.
Arlene Clemesha, professora de História Árabe na USP e diretora do Centro de Estudos Palestinos, mediou a fala de Pappe na FLIP e participou do evento na FFLCH. À Folha, ela destacou a relevância do autor no cenário internacional: “Ele busca romper o silenciamento, sem destilar ódio ao Estado de Israel —e sofre porque há quem não queira ouvir”.
“O mesmo ambiente que cancela e silencia Ilan Pappe o que contribui para a continuação do massacre de palestinos” acrescenta.
Foto: Rebeca Figueiredo