Apresentação de A gente é da hora
Por Lázaro Ramos
A primeira vez que li um livro de bell hooks, ainda adolescente, em cada página eu sentia transpirar informação, transgressão e paixão. Esse primeiro contato, naquele momento em que eu tentava compreender quem eu era e como me encaixar no mundo, foi determinante para minhas escolhas futuras e se tornou um dos faróis para questões que nunca discuti dentro da minha casa. Desde então, no meu vocabulário, em conversas com amigos, jovens, desconhecidos ou quem mais papeasse comigo, uma frase sempre era repetida: “leia bell hooks”. Com este livro, a frase ganha outra cor. Agora grito aos sete ventos: “leia A gente é da hora: homens negros e masculinidade, de bell hooks”.
O impacto da leitura foi tamanho que quem convive comigo só escutava sobre esse assunto, como se eu tivesse uma revelação ou, no mínimo, uma organização de sensações, comportamentos e caminhos sobre nossa masculinidade. É impossível se conter ao ler o que essas páginas revelam. Para mim, homem negro, foi muito importante conhecer esta análise profunda de como o machismo nos molda, numa perspectiva histórica. De presente, ainda me senti acolhido ao perceber como, desde o processo de escravização, nós, tropegamente, vamos tentando resgatar nossa humanidade ao experimentar diversas estratégias que de alguma forma nos emanciparam, mas ao mesmo tempo nos trouxeram outras prisões. Também me emocionei com tudo que li de libertador. Saber que Muhammad Ali ousou forjar masculinidades alternativas e afirmar uma identidade masculina negra distinta do estereótipo e ser impulsionado a perceber em detalhes o que significa tais escolhas me trouxe fé. E, como não podia faltar num livro de bell hooks, também fala muito sobre amar e ser amado.
Mas não pense que o livro é para provocar apenas conforto e acolhimento; ele traz desassossego em cada linha e nos convoca a responsabilidades. bell aponta as violências que cometemos e nossa incapacidade de nos libertar física e mentalmente com paixão e de forma íntima. Essa intimidade se torna tão importante que, juntamente com o desassossego provocado pela leitura, fui tomado pelo desejo de ler o livro nas madrugadas e deitar em silêncio pensando; de ler nas pausas do trabalho, pois parecia a melhor maneira de usar meu tempo; de reclamar de algo, vomitar uma revolta e me apaixonar pela masculinidade revolucionária.
Entre outras coisas, bell nos liberta para sabermos que temos o direito de ser amados e que essa é uma luta necessária. Ela também nos diz que devemos amar, mas amar com mais respeito, responsabilidade, compreensão, companheirismo e demonstração constante de afeto e coragem. E seguirmos em luta. Porque ainda precisamos refletir criticamente sobre o passado, nos defender para que nossos corpos não sejam tratados como um alvo para a morte, transgredir os limites estabelecidos pelo racismo, nos curar e criar conexões.
Espero que esta leitura te traga desassossego e acolhimento como trouxe para mim, e que você também possa gritar o que tiver preso na sua garganta e silenciar para entrar em contato consigo e produzir o seu próximo passo.
Lázaro Ramos é ator e diretor de tv, cinema e teatro, além de apresentador e escritor. Atuou em Madame Satã (2002), O Homem Que Copiava (2003), Cidade Baixa (2005) e Ó Paí, Ó (2007), entre outros filmes e novelas. Escreveu livros infantis, como O caderno de rimas de João (Pallas, 2010), e o autobiográfico Na minha pele (Companhia das Letras, 2017), destaque da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).