Homens negros e o amor

Por Nina Rizzi
Trecho do prefácio à edição brasileira de Salvação: pessoas negras e o amor

 

 



Salvação não é ter chegado a um destino,
é estar no caminho certo.
— Martin Luther King

Sinto tanta raiva que
amar parece errado
— Baco Exu do Blues

e não esqueço do irmão
cuja nova paquera jogou seu nome e cpf no jusbrasil
porque
afinal ela é uma mulher que precisa se proteger
e ela não sabe o que é um homem preto
sendo avaliado procurado fichado
uma vida inteira pela polícia
e pô já basta a polícia
— e quem vai protegê-lo? 

 

 

Como os temas que aborda tratam da cultura e da experiência coletiva, bell hooks não só analisa as representações da supremacia branca sobre as comunidades negras e seus efeitos como vê as comunidades de dentro, sem passar pano para ninguém. Ela analisa criticamente as imagens retratadas em The Cosby Show e em muitos filmes de Spike Lee; a retórica patriarcal misógina e homofóbica do movimento black power, de muitos rappers afro-estadunidenses e até mesmo de Malcolm X e de Martin Luther King; a literatura fundada nos grilhões, na humilhação e na dor; o amor materno idealizado, que atrapalha  o desenvolvimento dos filhos em vez de ensiná-los a serem responsáveis; e até mesmo os relacionamentos baseados numa ética consumista e na subordinação de mulheres e crianças.

Tal análise não significa que a autora seja uma “inimiga da raça”, mas sim que compreende que, como resultado da internalização do pensamento patriarcal, muitos homens negros pensam que precisam ser “machos” para ser “homens de verdade”. hooks lembra que, embora essa seja uma resposta natural ao trauma e às imagens de controle racistas, a cura não se dá pela dureza das ações. E evoca o pensamento de James Baldwin: a dor histórica que compartilhamos, ao invés de nos endurecer, pode nos tornar mais suaves e amorosos, mais propensos à empatia e ao amor, incentivando os homens negros a partilhar seus sentimentos para que se mantenham emocionalmente íntegros.

São inúmeros os homens negros que conheço que adotam uma postura patriarcal em suas relações com mulheres e filhos. Homens emocionalmente indisponíveis. Eles estão adoecidos porque não conseguem ser aceitos e, portanto, não conseguem ser homens amorosos. É preciso que eles se rebelem não só contra os modelos de masculinidade mas também contra modelos de mulheridade desejável. Que deixem de enxergar o amor como uma tarefa de mulher e abandonem identidades incutidas que destroem relacionamentos, ao invés de abandonar as crias e os relacionamentos em geral.

Para serem curados, os homens e todas as pessoas precisam conhecer e respeitar nossa história — uma história que não é de grilhões — e cuidar dos nossos. Descolonizar a mente coletivamente significa renunciar e resistir ao julgamento de outras pessoas — e de nós mesmos — com base na cor da pele e desaprender todas as percepções e representações negativas que advêm daí. Descolonizar a mente coletivamente significa também cuidar dos traumas psicológicos.

Significa não amar o poder e o dinheiro. Destruir o topo, amar a negritude. Tornar o amor uma questão central em nossa vida. “Amar a negritude é mais importante do que ter acesso ao privilégio material.” Assim, o amor-próprio é cultivado. Assim, a recuperação é coletiva. “Homens negros descolonizados e maduros sabem que o amor é a força de cura que permite a verdadeira liberdade”.

Imagem: Samuel Jessurun de Mesquita, 1927.

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