Indústria de armas de Israel usa ataques no Oriente Médio como marketing, diz autor de Laboratório Palestina
Por Clara Balbi
Publicado em Folha de S. Paulo
Um episódio narrado em Laboratório Palestina resume, em certa medida, a tese do livro. Nele, um frequentador da Paris Air Show, maior evento da indústria aeroespacial do mundo, fala sobre uma edição da feira na qual se deparou com um vídeo promocional de um drone de ataque da empresa israelense Elbit, especializada em tecnologia militar. No registro, o equipamento fazia uma atividade de reconhecimento em um território palestino ocupado.
Meses depois, conta o frequentador, ele descobriu que o incidente filmado matou diversas pessoas, incluindo crianças. “Essa foi a minha introdução ao setor de armas israelense e à maneira como ele se vende. Nenhum outro país produtor de armas se atreveria a mostrar imagens reais como aquela.”
O episódio ocorreu em 2009 —muito antes da eclosão da guerra Israel-Hamas, em 2023, portanto. Mas o autor do livro, o jornalista australiano Antony Loewenstein, que é judeu, afirma que cenas do tipo não só continuam a se repetir no presente, como foram intensificadas pelos enfrentamentos.
Desde outubro do ano passado, ele diz, empresas israelenses públicas e privadas têm participado de feiras internacionais de armas e rotulado os equipamentos que empregam em Gaza como “testados em combate”.
Isso a despeito da massiva falha de inteligência observada no 7 de Outubro. “De um ponto de vista lógico, o que houve deveria ter feito o mundo concluir que a arquitetura de controle de Israel sobre os palestinos é um completo fracasso. Mas é o que está acontecendo é o oposto. Muitas das empresas que operavam a infraestrutura ao redor de Gaza rapidamente passaram a ajudar no esforço de guerra”, diz, mencionando companhias como Elbit, NSO e IAI.
Esses e outros nomes se repetem à exaustão ao longo de Laboratório Palestina, publicado no Brasil pela editora Elefante. A obra traça um histórico detalhado do envolvimento da indústria bélica de Israel com governos antidemocráticos ao redor do mundo, até chegar ao papel que grupos de tecnologia do país desempenham em questões como as crises migratórias na Europa e nos Estados Unidos e a violência policial hoje.
Mais do que apontar os problemas dessa atuação, Loewenstein argumenta que essas companhias, mesmo as privadas, agem como braços do governo israelense, utilizando a ocupação do Estado judeu sobre os territórios palestinos para testar seus produtos. Os palestinos seriam, portanto, as suas cobaias, e a Palestina, o seu laboratório. Daí o título do livro.
A estratégia estaria funcionando, segundo o jornalista. Israel alcançou um novo recorde de vendas de armas no ano passado, com exportações de equipamentos militares totalizando US$ 13,1 bilhões em 2023 contra US$ 12,5 bilhões de 2022. “É claro que a maior parte foi antes do 7 de Outubro, mas uma outra parte, não”, diz ele.
Além disso, a caracterização de episódios como as explosões de pagers e walkie-talkies da facção libanesa Hezbollah, que também afetaram civis, como medidas audaciosas e engenhosas reforçaria essa perspectiva.
“Muitos serviços de inteligência desde aquele ataque ficaram extremamente animados com o que isso significa para as suas próprias capacidades militares”, diz Loewenstein. Serviços de inteligência “adoram a ideia de transformar celulares e aparelhos domésticos em armas”.
O Brasil é um dos países que demonstraram interesse em comprar armas israelenses em meio ao conflito no Oriente Médio. Em abril, o grupo Elbit venceu uma licitação do Exército para a compra de 36 viaturas blindadas de obuseiro 155 mm, espécie de canhão de grande alcance e precisão.
A aquisição foi travada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele, que já protagonizou diversos atritos com Israel devido às suas críticas à guerra em Gaza, teme que o valor de quase R$ 1 bilhão do negócio acabe por financiar ataques a palestinos.
O Ministério da Defesa brasileiro tem buscado alternativas para prosseguir com a transação, e o chefe da pasta, José Mucio Monteiro, já argumentou que a compra não deveria ser vetada por “motivos políticos, ideológicos”.
Questionado sobre a controvérsia, Loewenstein é taxativo. “Dar dinheiro a uma empresa como a Elbit é recompensar e dar assistência a uma organização que lucra imensamente com a ocupação permanente de Israel na Palestina”, afirma. “Ela [a ocupação] só sobreviverá se países como o Brasil continuarem a financiá-la, e isso deveria parar.”
“Se você está dando apoio ou respaldo incondicional a Israel, na verdade, está prejudicando a todos nós, judeus”, continua ele. “As ações israelenses, especialmente no último ano, têm tornado a vida judaica no país e fora dele mais vulnerável. No final, Israel não estará mais seguro. Pelo contrário. Eles geraram um turbilhão de ressentimento e ódio no mundo árabe que não será facilmente enterrado. Não sei como isso se manifestará, ninguém sabe. Mas vai acontecer.”