Por Gabriela Moncau
Publicado em Brasil de Fato
Os motivos que efetivamente levaram Javier Milei à presidência da Argentina estão diretamente ligados à economia, na visão da socióloga Maristella Svampa, licenciada em Filosofia pela Universidad Nacional de Córdoba, doutora em Sociologia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris e professora da Universidad Nacional de La Plata.
Para Svampa, as razões são as mesmas que levaram à derrota do peronismo no país vizinho. Ela acredita que a esquerda não apresentou respostas suficientes para a população diante do contexto de alta inflação e empobrecimento acelerado, principalmente após a pandemia de covid-19.
O resultado de uma política desconectada com a realidade argentina, para Svampa, ficou claro nas urnas. O candidato ultraliberal venceu o segundo turno da eleição com folga, ao obter quase 56% dos votos válidos contra 44% do peronista Sergio Massa. A vantagem foi maior do que apontavam as pesquisas, que previam uma disputa apertada e um resultado imprevisível.
Massa enfrentou a campanha eleitoral com o fardo de ser o atual ministro da Economia do governo de Alberto Fernández, num país em crise profunda. “Grande parte dos setores que votaram em Milei o fizeram por desilusão, pelo cansaço de uma situação econômica cada vez mais difícil em um contexto de alta inflação”, afirma Svampa.
Leia a entrevista na íntegra:
A escolha de Massa como candidato do peronismo tem sido muito criticada, pois ele é o atual ministro da economia em um contexto em que a inflação e o empobrecimento têm sido elementos centrais das preocupações da população argentina. Como você vê isso e a crise do peronismo neste cenário de derrota eleitoral?
Bem, eu acredito que um dos problemas fundamentais que explicam a derrota do peronismo e do governo é que a crise econômica é fenomenal. Há um contexto de alta inflação, precariedade, empobrecimento acelerado que se agravou após a pandemia.
Efetivamente, todas as militâncias em prol dos direitos humanos e dos fatos mínimos em torno da democracia não foram suficientes, porque a política econômica não está resolvida de maneira inclusiva. A exclusão de amplos setores da sociedade é muito grande, especialmente setores ligados a salários baixos e informalidade.
O que esperar da política econômica de Milei, mesmo com a composição do Congresso, em que o governo precisará se aliar necessariamente com o campo macrista representado por Bullrich?
Concordemos que estamos nesta situação na Argentina não porque a sociedade seja fascista, ou seja, já fascistizada, mas porque a situação econômica está intolerável e muitos setores optaram por apostar em uma mudança, mesmo que essa mudança nos leve ao abismo.
Nesse sentido, foram os partidos dominantes que nos trouxeram até aqui, responsabilizando principalmente o macrismo. É preciso dizer que nestas eleições, a esquerda não esteve à altura, e a direita fez um pacto com a extrema direita. Nesse sentido, [Mauricio] Macri foi o grande vencedor destas eleições, mesmo que não saibamos quanto tempo durará essa aliança com Milei. O que sabemos é que é um personagem político com certa instabilidade.
De qualquer forma, Milei, para governar e implementar políticas públicas, políticas de ajuste, políticas de privatização, terá que contar com o Congresso, com o apoio da direita. Portanto, a curto prazo, o horizonte que nos espera é a consolidação da aliança entre direita e extrema direita. Mas a médio e longo prazo não sabemos quão estável essa aliança pode ser.
Macri aposta principalmente em uma política de ajuste fiscal e de privatização de certas empresas públicas. A dolarização, se ocorrer, ficará para mais tarde.
O que explica a adesão da maioria da população argentina, e especialmente dos jovens, às ideias de Milei?
Insisto que a sociedade argentina não se tornou fascista. Há um núcleo duro de eleitores de Milei que representam efetivamente a reação conservadora contra o feminismo, das questões sexuais e uma reação contra o Estado e suas fraquezas. No entanto, de qualquer forma, grande parte dos setores que votaram em Milei o fizeram por desilusão, pelo cansaço de uma situação econômica cada vez mais difícil em um contexto de alta inflação.
Acredito que isso deve ficar bem claro, pois efetivamente optaram por buscar uma solução econômica para seus problemas, mesmo que não saibam qual é o conteúdo dela, em vez de preservar os valores democráticos prometidos por um governo desconectado de políticas sociais ou econômicas inclusivas.
Maristella Svampa é socióloga, escritora e pesquisadora argentina. É autora de As fronteiras do neoextrativismo na América Latina: conflitos socioambientais, guinada ecoterritorial e novas dependências (2019) e Debates latino-americanos: indianismo, desenvolvimento, dependência e populismo.