
Na urgência climática, uns alertam, outros aceleram
Por Paulo Silva Junior
Parece um eterno retorno, e talvez seja, apesar da nossa teimosia em vislumbrar outros futuros possíveis enquanto o mundo grita que seguimos escolhendo o caminho do colapso. “Ainda estou aqui”, diz o petróleo, que segue em alta prometendo arrancar na pista a meses da próxima Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP30, programada pra novembro, em Belém.
É exatamente por ali, que ironia, bem na margem equatorial, que estão cinco bacias em alto-mar, como a Bacia da Foz do Amazonas, no litoral do Amapá. Há dois anos, o Ibama negou a licença para prospecção marítima no local. O presidente Lula, em entrevista em Macapá em fevereiro, disse que não dá para ficar nessa “lenga-lenga” ecológica.
De um lado, o governo acredita que investir na região seja a principal aposta para repor as reservas brasileiras após o esgotamento do pré-sal, diante de um volume atual que garante manter o ritmo da produção por mais treze anos. É nesse contexto que a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, tem reforçado a ideia de pisar no acelerador. Ela pediu para que os fornecedores estejam preparados para esse novo momento do investimento petrolífero do país.
Em oposição à tamanha euforia, Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, disse que o Ibama é quem pode definir tecnicamente se há sustentabilidade para um novo empreendimento na Foz do Amazonas. Lula, falando em Belém, entende que a ministra tem seus pontos sobre o método do projeto, mas que é uma pessoa inteligente para entender a necessidade do Brasil. Há quase duas décadas, debate parecido foi travado em tempo de projetos das usinas de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio. Na época, Marina acabou ridicularizada como “ministra dos bagres” por estar, segundo os críticos, atrasando o desenvolvimento de obras em proteção aos peixes. Ela pediu demissão do governo em 2008.
Bom, o petróleo passa o carro, que se tivesse um alto-falante poderia circular aos berros de “drill, baby, drill” na voz de Donald Trump, que não para de repetir esse verbo: perfurar. Rita von Hunty, em seu canal Tempero Drag, lembrou de O decênio decisivo, de Luiz Marques, ao refletir sobre o fato do planeta terra estar saturado da exploração de combustíveis fósseis.
“A gente já está caminhando no decênio decisivo. É agora, são nesses dez anos, ou adeus à vida humana no planeta Terra. São dez anos para que a gente reverta a matriz energética do planeta para matrizes sustentáveis. A gente vai aquecer o planeta em três graus. É o ano da COP30 e a presidente da Petrobras está dizendo que a gente vai pisar no acelerador.”
Na reta final do livro, quando trata de propostas para uma política de sobrevivência, Luiz Marques passa por muitas ideias que atravessam essa discussão sobre a energia e a Amazônia atuais. Por exemplo, a da extensão da ideia de sujeito de direito às demais espécies, à biosfera e às paisagens naturais, ou a própria restauração e ampliação das reservas naturais enquanto santuários inacessíveis aos mercados globais, entre outras.
“Realizar essas rupturas civilizacionais, e no prazo de um decênio, parece evidentemente cada vez mais difícil. A enormidade da tarefa, a resistência material e ideológica dos interesses econômicos, a dificuldade de compreender a gravidade e a aceleração das crises ambientais, a fragmentação dos movimentos sociais, tudo agora joga contra a humanidade. Pouco importa: não se enfrenta um desafio existencial a partir de cálculos de probabilidade”, aponta o autor.
E, por falar em combustíveis, matrizes energéticas e fontes mais ou menos limpas e sustentáveis, é interessante pensar como essas escolhas ao longo da história vão ditando o que se convém a entender como inevitável. Não, não deveria ser impossível imaginar uma vida sem tanto petróleo – alguém definiu em algum momento a importância daquilo para o funcionamento deste tipo de mundo. Em Capital fóssil, Andreas Malm revela como é que tudo mudou quando as indústrias do século XIX na Inglaterra resolveram trocar as rodas d’água por motores a vapor, queimando carvão.
“Ao menos por ora, os cientistas naturais vêm interpretando o aquecimento global como um fenômeno que ocorre na natureza; a questão, no entanto, consiste em rastrear suas origens humanas. Somente assim preservaremos ao menos uma possibilidade hipotética de mudança de curso”, escreve Malm. Lembra alguma coisa sobre a discussão de início, envolvendo governo, a Foz do Amazonas e as vontades aceleradoras do Brasil?
Foto: Instituto Lula