
No mundo árabe, colonialismo e dilemas para uma transição ‘verde’
A Elefante está lançando Colonialismo verde, v. 1, Geopolítica e transições ecossociais e Colonialismo verde, v. 2, Justiça energética e climática nos países árabes, ambos em pré-venda no nosso site, onde você também pode conhecer os sumários das edições. Publicamos aqui no nosso blog os textos da quarta capa e da orelha do segundo volume, organizado por Hamza Hamouchene e Katie Sandwell, com 13 artigos que passam por Oriente Médio (ou Sudoeste Asiático) e África do Norte.
Quarta capa | O colapso climático já é visível na região árabe, com secas, incêndios, ondas de calor e enchentes. Uma necessária transição “verde” exigirá o reconhecimento não apenas da responsabilidade histórica do Ocidente industrializado frente ao aquecimento global, mas também do papel dos países emergentes na perpetuação dessa ordem econômica destrutiva. Obviamente, o fardo das “soluções” para a crise não deve ser carregado pelo Sul Global, que, além de ter sido espoliado pela contínua colonização, vem sofrendo de maneira desproporcional os efeitos das mudanças climáticas. A transição justa demanda uma ruptura com os “negócios de sempre”, que protegem as corporações e os regimes autoritários, e exige a adoção de um processo radical de transformação. Não haverá justiça numa economia “verde” sem democracia e autodeterminação energética.
Orelha | Em tempos de aquecimento global, é evidente a necessidade de substituir combustíveis fósseis por fontes de energia renováveis. Mas como deve ser a transição para a economia “verde”? Este livro aborda essa questão central na perspectiva de uma região indelevelmente atrelada ao petróleo e gás: o Oriente Médio (ou Sudoeste Asiático) e a África do Norte, onde a dependência de combustíveis fósseis convive com expressivos investimentos em tecnologias “verdes”, criando um complexo quebra-cabeças geopolítico.
De um lado, o príncipe saudita Abdulaziz bin Salman enterra qualquer ilusão ambientalista: “Extrairemos até a última molécula de hidrocarbonetos”. De outro, o Marrocos busca se tornar um grande exportador de energia renovável. Por mais inequívocos que possam parecer, fatos como esses não permitem análises simplistas. Os treze ensaios aqui publicados demonstram que novas e velhas modalidades de colonialismo subjazem tanto à intenção de seguir perfurando quanto à instalação de placas fotovoltaicas.
A Europa pretende adequar-se aos imperativos ecológicos reeditando estratégias imperialistas. Carente de amplos espaços e altos índices de insolação, o continente tem olhado para o Saara como fonte inesgotável da geração solar necessária à sua transição energética. Assim, recicla o discurso do “vazio demográfico” das primeiras ondas colonizadoras, agora com tonalidades “verdes” — e a monarquia marroquina atropela os direitos dos povos saarauis para atender o greenwashing do Norte.
Trata-se de uma conhecida história, com novas cores—ou com as mesmas, quando vemos que os países do Golfo Pérsico adquirem grandes extensões de terra fértil no Sudão e na Etiópia para garantir a própria segurança alimentar em detrimento da subsistência dessas nações castigadas pela fome. E o que dizer da Jordânia, que, altamente dependente de combustíveis fósseis, assinou um acordo para produzir energia solar com investimento dos Emirados Árabes para abastecer dessalinizadoras instaladas em Israel, das quais será obrigada a comprar água, mesmo que a escassez hídrica jordaniana seja consequência do jugo israelense sobre os rios Jordão e Jarmuque?
A discussão sobre transição energética no mundo árabe também precisa consideraras relações cada vez mais intensas com a Ásia e o estabelecimento de um eixo Oriente-Oriente de extração, exportação e queima de combustíveis fósseis, bem como de investimentos em tecnologias “verdes”. Sem jamais esquecer a dívida climática do Norte Global, este livro deixa bem claro que a transição “verde” já não passa apenas por Estados Unidos e Europa. “Sem compreender o papel dos Estado do Golfo”, conclui um dos autores, “será impossível construir campanhas bem-sucedidas para reverter os efeitos das mudanças climáticas.”
Foto: World Bank Photo Collection