O desafio poliamoroso é uma investigação histórica sobre a centralidade da monogamia em nossas construções amorosas e seus mecanismos de imposição. Brigitte Vasallo nos convida a uma conceitualização do pensamento monogâmico, introduzindo o tema a partir de uma perspectiva feminista, antirracista e anti-lgbtfóbica. Ao mesmo tempo, oferece um passeio encarnado em sua própria história, marcada por experiências (e fracassos) amorosos, em um texto afetivo que estende a mão a quem já tem intimidade com a discussão, mas, por vezes, encontra desamparo no momento de vivenciá-la.
O livro extrapola o entendimento tradicional de monogamia como apenas uma prática: a monogamia é, para Vasallo, um sistema, uma forma de pensamento que determina não apenas nossas relações mas também as formas de organização da sociedade, como o Estado-nação. Trata-se de uma estrutura que distribui e retira privilégios, e, articulada ao modo de produção capitalista, racista, patriarcal e heterocentrado, promove violências contra os corpos que fogem às suas determinações.
Por outro lado, a autora tece uma crítica afiada a um tipo de poliamor que não extrapola a lógica monogâmica e que enfatiza apenas a acumulação, reproduzindo uma liberdade individualista, descuidada e, por vezes, baseada nas mesmas opressões às quais teoricamente se oporia. Muito mais que sobre a quantidade de vínculos sexuais, amorosos ou afetivos, O desafio poliamoroso proposto por Vasallo pensa a dinâmica desses vínculos e o caminho para construí-los.
Na sua proposta de uma nova política de afetos, a autora e ativista pretende desmontar a forma como nos relacionamos – entre nós e com o mundo – a partir da base, para além da criação de núcleos afetivos com duas, três ou cinco pessoas. “A possibilidade de alternativa ao sistema monogâmico não passa por flertes e namoros, mas pela coletivização dos afetos, dos cuidados, dos desejos e das dores”, escreve. “Para resistir à violência individualista, temos de tecer redes rizomáticas”.
Vasallo ainda ressalta como o sistema monogâmico, assim como o capitalista, o colonial e o patriarcal, nos faz promessas de felicidade: se seguirmos todas as instruções e nos comportarmos bem, tudo dará certo. Porém, ao analisar qualquer estrutura impositiva, lembra a autora, precisamos olhar para as suas margens – elas fazem parte do próprio sistema que as cria. E, se estamos falando de uma estrutura que privilegia a família nuclear com fins reprodutivos, às margens desse sistema estão todos os corpos que desafiam essa lógica. Para essas vidas que contrariam a hegemonia de raça, gênero, sexualidade e classe, a monogamia sempre foi, ao mesmo tempo, uma obrigação e uma impossibilidade.
Superando em muito as análises rasas sobre se a exclusividade sexual é ou não “natural para o ser humano”, Vasallo recorre a uma bibliografia extensa e diversa – Gloria Anzaldúa, Ochy Curiel, Frantz Fanon, Michel Foucault, Audre Lorde etc. – para mostrar como as relações entre a acumulação de capital e a expropriação de terras, a domesticação dos corpos femininos e a repressão da sexualidade, a imposição do sistema sexo/gênero binário e a criação do racismo colonial, além de, mais recentemente, a imposição do neoliberalismo, fazem parte do mesmo projeto de distribuição hierárquica entre identidades confrontativas.
“E a questão não é a prática monogâmica. É quem é obrigado e por meio de quais estruturas, e o que acontece com as pessoas que não se enquadram e com as que são excluídas. Tudo isso faz parte da mesma violência. Portanto, as pessoas que estamos procurando entender as fissuras do sistema monogâmico e as que estão buscando tais fissuras para acessá-lo fazemos parte da mesma resistência.”
Este livro defende posições corajosas que implicam mudanças de mente, corpo e vida. Brigitte Vasallo coloca suas ideias sobre a mesa para que elas circulem, para que possam ser testadas, modificadas, trabalhadas ou descartadas. Não é um texto que se propõe a ajudar o sistema, a sugerir reformas e acordos que o façam parecer mais amável. Para ela, o pensamento monogâmico deve ser desativado tanto no plano pessoal quanto no político, a fim de construir espaços de vida verdadeiramente cooperativos e que gerem mundos radicalmente distintos.