Descrição
Durante a pandemia, a casa não se tornou apenas um refúgio contra o contágio pelo coronavírus, mas um laboratório para novas tecnologias financeiras e novos regimes de trabalho e convívio social. Os esforços do movimento de mulheres para desconfinar o lar, visto como campo privilegiado do trabalho não remunerado e de uma série de opressões sexuais e de gênero, se chocaram então com um processo que se intensifica ininterruptamente por meio de home office, apps, fintech, precarização e endividamento massivo. Mas o feminismo popular latino-americano pode oferecer alternativas à economia do cansaço e à financeirização da vida, propondo uma reapropriação do tempo necessário para que criemos condições para um processo político capaz de nos devolver a capacidade de imaginar o futuro.
***
Em A casa como laboratório, Luci Cavallero e Verónica Gago dão continuidade às reflexões do livro Uma leitura feminista da dívida, no qual relacionam violência financeira e violência de gênero. Esta nova obra, porém, está indelevelmente marcada pela pandemia de covid-19. Para as autoras, ao manter parte significativa da população dentro de casa, o coronavírus transformou o lar em espaço de experimentação das novas tecnologias financeiras e dos novos regimes de trabalho e convívio social. Foi um golpe duro para os feminismos, que ao longo das últimas décadas se esforçaram para “desconfinar esse lugar que por muito tempo se quis privado, familiar e campo privilegiado do trabalho não remunerado” — principalmente na Argentina, onde as mulheres vinham se mobilizando cada vez mais contra o feminicídio e pela descriminalização do aborto, com sucessivas vitórias. Com um pé na universidade e outro na militância, Luci e Verónica acreditam que a pandemia serviu de pretexto para uma manobra de reprivatização, uma espécie de “chamado à ordem” em reação à ocupação das ruas pelos feminismos e suas tentativas de subverter a noção de ambiente doméstico heteropatriarcal. Isso se deu basicamente por meio de quatro processos: o aumento das dívidas domésticas contraídas para a aquisição de bens básicos e para atender necessidades emergenciais; o crescimento das dívidas de aluguel; a reorganização e intensificação das jornadas de trabalho reprodutivo e produtivo em um mesmo espaço; e a invasão dos lares pela tecnologia financeira (fintech). “Por meio dessas quatro dinâmicas, podemos ler a casa não como lugar de isolamento, mas como campo de batalha fundamental”, escrevem. “A casa é um espaço que passa a condensar formas financeiras inovadoras e de intensificação do trabalho. É no lar que se entrelaçam formas decisivas da valorização atual.” Um exemplo disso é a proliferação de jornadas de trabalho, que deixaram de acontecer de maneira consecutiva para se tornarem simultâneas. “Se antes se falava em tripla jornada, estamos hoje diante da quase impossibilidade de distinguir as horas em que cada uma dessas jornadas acontece. Cada hora é tripla jornada em si mesma.”
SOBRE AS AUTORAS
Luci Cavallero é feminista, socióloga e pesquisadora da Universidade de Buenos Aires (UBA). Seu trabalho aborda a ligação entre a dívida, o capital ilegal e a violência. É coautora de Uma leitura feminista da dívida (Criação Humana, 2022), com Verónica Gago; e coorganizadora de Quem deve a quem? Ensaios transnacionais de desobediência financeira (Elefante / Criação Humana, 2023), com Verónica Gago e Silvia Federici. É militante dos movimentos Ni Una Menos (contra o feminicídio), Marea Verde (pela descriminalização do aborto) e Greve Internacional de Mulheres.
Verónica Gago nasceu em 1976, em Chivilcoy, na Argentina. É doutora em ciências sociais, professora da Universidade de Buenos Aires (UBA) e da Universidade de San Martín (Unsam) e pesquisadora do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (Conicet). É autora de A razão neoliberal: economias barrocas e pragmática popular (Elefante, 2018) e A potência feminista, ou o desejo de transformar tudo (Elefante, 2020), coautora de Uma leitura feminista da dívida (Criação Humana, 2022) e coorganizadora de Quem deve a quem? Ensaios transnacionais de desobediência financeira (Elefante / Criação Humana, 2023). É militante dos movimentos Ni Una Menos (contra o feminicídio), Marea Verde (pela descriminalização do aborto) e Greve Internacional de Mulheres.