Descrição
Anselm Jappe decidiu colocar no papel as reflexões que deram origem a este livro em 2018, após o desmoronamento de uma famosa ponte na Itália, construída em concreto armado. Antes que essa obra inaugurada em 1967 viesse abaixo, porém, o estado deplorável da cidade administrativa de Chandigarh, na Índia, inaugurada nos anos 1950, já havia instigado o pensamento de Jappe sobre o uso e o abuso do material que se tornou a estrela da construção civil em todo o mundo no século XX — e assim continua —, fazendo a fama de arquitetos celebridades enquanto espalha pelo mundo feiura e edificações de vida útil curtíssima, ignorando as peculiaridades locais e contribuindo para a degradação do meio ambiente. “O concreto constitui um dos lados concretos da abstração mercantil produzida pelo valor, que é, ele próprio, criado pelo trabalho abstrato”, escreve. “Não se trata de um dito gracioso com base num jogo de palavras. Poderia esse material aparentemente inofensivo realmente ser considerado o lado concreto da abstração capitalista?”
***
A ideia aqui é tratar desse material particular que é o concreto armado e de seu vínculo estreito ao capitalismo industrial. Tecnicamente falando, seria impossível erigir arranha-céus de concreto não armado e, por extensão, uma concrete jungle. Essas precisões parecem ainda mais necessárias pelo fato de o riquíssimo dossiê do Guardian dedicado ao concreto em fevereiro de 2019, sobre o qual nos apoiaremos com frequência neste estudo, não estabelecer, por exemplo, nenhuma distinção clara entre suas diferentes formas. Isso é em parte compreensível, já que a questão principal abordada é a dos danos causados à saúde e ao meio ambiente. Ora, esses danos são efetivamente provocados pelo concreto enquanto mistura de brita e areia com um aglutinante, antes mesmo da incorporação de armaduras metálicas. Mas é o uso massivo do concreto em sua forma armada que causa esses danos. Os horrores da arquitetura de hoje e das construções modernas são consequência da combinação do concreto e do aço. […]
Mas é possível criticar o concreto armado enquanto tal? Encarado como menos nocivo que o amianto ou os pesticidas, ele também parece fazer menos estragos do que o carro, a televisão ou o plástico. No entanto, o jornal liberal inglês The Guardian, que não é exatamente um órgão do anarcoprimitivismo, qualificou-o como o “material mais destrutivo da Terra”. O dossiê — muito interessante — que o jornal lhe dedicou fica, entretanto, limitado a malefícios mensuráveis. Aprofundando ainda mais o raciocínio, será que o concreto mantém relações com o capitalismo para além da questão da expansão dos lucros de alguns, chegando a ponto de ser a perfeita materialização da lógica do valor mercantil? Esse material aparentemente inofensivo, que os ingleses chamam de concrete e os espanhóis, assim como os brasileiros, de concreto, pode realmente ser considerado o lado concreto da abstração capitalista. Nesse caso, veremos que o “sujeito automático” da valorização do valor tem um poder muito mais destruidor do que todos os maus engenheiros e todos os ávidos acionistas juntos.
— Anselm Jappe
SOBRE O AUTOR
Anselm Jappe nasceu em Bonn, na Alemanha, em 1962. É professor da Academia de Belas Artes de Roma e na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. É um dos principais teóricos da crítica do valor, autor de, entre outros, A sociedade autofágica: capitalismo, desmesura e autodestruição (Elefante, 2021), As aventuras da mercadoria: para uma nova crítica do valor (Antígona, 2006) e Crédito à morte: a decomposição do capitalismo e suas críticas (Hedra, 2013), e coautor de Capitalismo em quarentena: notas sobre a crise global (Elefante, 2020).