Lutar com a floresta

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Lutar com a floresta:
uma ecologia política do martírio em defesa da Amazônia

Autor: Felipe Milanez
Edição: Tadeu Breda
Assistência de edição: Natalia Engler
Preparação: Daniela Fernandes Alarcon
Revisão: Tomoe Moroizumi & Adriana Moreira Pedro
Capa: Sidney Schunck
Direção de arte & projeto gráfico: Bianca Oliveira
Diagramação: Fernando Zanardo
Lançamento: maio de 2024
Páginas: 304
Dimensões: 13 x 21 cm
ISBN: 9786560080195

Em estoque

Descrição

O interior do Brasil tem sido objeto da cobiça de colonialistas internos e externos desde a Conquista. Ainda hoje, grileiros continuam a roubar terras na Amazônia, substituindo a floresta por gado e soja para exportação. Mas os povos indígenas e os posseiros resistem. E uma forma de resistência tem sido o combate à produção destrutiva por meio da instalação de reservas agroextrativistas, que reproduzem a vida através da extração duradoura da borracha ou da castanha-do-brasil, entre outras dádivas da natureza. Desde Chico Mendes, assassinado em 1988, há muitos exemplos de resistência popular contra a depredação da Amazônia. Maria e José Cláudio defenderam a floresta até a morte com verdadeira ousadia, sem ganância e com um altruísmo apaixonado pelos outros seres vivos. Este livro narra os fatos e explica os valores sociais e ecológicos em jogo no assassinato do casal — mais um dos muitos atentados que vitimam os verdadeiros ambientalistas: pobres, subalternos, indígenas, a vanguarda da preservação, os quais o trabalho de Felipe Milanez eleva a símbolo e exemplo.

— Joan Martínez-Alier

 

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Zé Cláudio e Maria foram assassinados em 2011, enquanto se deslocavam de moto por uma estrada vicinal nas redondezas do Projeto Agroextrativista Praialta-Piranheira, em Nova Ipixuna, no Pará. Um crime exaustivamente anunciado, não apenas pelo consórcio de madeireiros, carvoeiros, pecuaristas e fazendeiros descontente com a atuação do casal em defesa da natureza, mas pelas próprias vítimas, que em inúmeras ocasiões denunciaram a iminência da própria morte. Todos os níveis do poder público atuante na localidade sabiam das ameaças sofridas por Zé Cláudio e Maria, que ao longo dos anos tiveram o trabalho de sistematizar informações e notificar as autoridades sobre as violações das leis ambientais e fundiárias cometidas na terra onde moravam — e que defendiam. Até mesmo a ministra do Meio Ambiente naquele então, Marina Silva, havia sido alertada, em carta, pela dupla. Ao Estado não faltaram oportunidades de agir — o que, lamentavelmente, só aconteceu depois que as ameaças se concretizaram em tiros de espingarda cartucheira, durante uma emboscada.

Eis um brevíssimo resumo do que Felipe Milanez conseguiu reunir em Lutar com a floresta: uma ecologia política do martírio em defesa da Amazônia. Infelizmente, Zé Cláudio e Maria são apenas duas das centenas de pessoas que já perderam a vida na tentativa de barrar o avanço desenfreado do progresso sobre a floresta. O ativismo do casal não era apenas discurso; era o seu dia a dia no assentamento agroextrativista. Enquanto muitos vizinhos (motivados pelo sonho quimérico de enriquecer rápido e virar patrão, mas que acabam se tornando escravos do sistema) desmatavam a terra recebida do governo por meio do projeto agroextrativista, Zé Cláudio e Maria perceberam desde cedo a riqueza produzida pela floresta em pé — e a autonomia de vida que ela possibilitava. A derrubada na região seguia um roteiro conhecido. As madeiras mais nobres, como a castanheira — uma das protagonistas desta história —, eram vendidas ilegalmente para serrarias irregulares. As árvores sem valor moveleiro se transformavam em carvão vegetal, comprado imediatamente pelas chamadas “guseiras” para alimentar os fornos que fundem o minério extraído das ricas jazidas paraenses, dos quais saem milhares de toneladas de ferro gusa para exportação. Com o terreno pelado, procede-se à plantação de capim. Depois, vem o boi, que ocupa a área até que um dia chegue a soja.

Zé Cláudio e Maria resistiram bravamente a esse ciclo que passou a estruturar a economia brasileira nas últimas décadas. Ao neoextrativismo predatório das commodities, o casal contrapunha o extrativismo popular e a convivência com a floresta. Das castanheiras, colhiam e vendiam o fruto, o qual aprenderam a transformar em óleo, agregando valor ao que a natureza lhes dava. Preservando, plantando e colhendo outros produtos da floresta, como cupuaçu, açaí e andiroba, construíram uma vida boa — um bem viver. Contudo, tinham plena consciência de que outros lotes do projeto agroextrativista também deveriam ser preservados, seja por uma questão de sobrevivência de todos os assentados, seja porque desmatar dentro da área é ilegal. Daí que jamais tenham se contentado em agir ecologicamente dentro do próprio quintal. Anos de ativismo e denúncia (com a parceria de organizações sindicais e da sociedade civil, mas desamparados pelas autoridades) resultaram em um desfecho trágico. O exemplo, porém, ficou. Se nunca existiu justificativa para a destruição dos ecossistemas brasileiros, agora, quando a crise climática deixou de ser uma mera previsão para se transformar em uma tórrida realidade, não há mais qualquer desculpa para continuarmos assistindo ao avanço da mineração e do agronegócio — ambos precedidos, sempre, pelo desmatamento — sobre o que resta de nossas matas nativas.

Lutar com a floresta é um livro essencial para que a preservação não fique apenas no discurso, pois demonstra que é perfeitamente possível aos seres humanos conviverem com a natureza de maneira respeitosa, harmoniosa e digna, com benefícios para todos os envolvidos. Que o triângulo amoroso subjacente a essa história — entre Zé Claudio, Maria e a Majestosa — possa inspirar cada leitor e cada leitora a pensar, de uma vez por todas, fora da caixinha do desenvolvimento.

 

SOBRE O AUTOR

Felipe Milanez é sociólogo, ecologista político e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB). Realizou o doutorado em sociologia no programa de ecologia política European Network of Political Ecology (Entitle), do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, em Portugal. Foi repórter e editor nas revistas Brasil Indígena (Funai) e National Geographic Brasil, além de atuar como freelancer para diferentes publicações, como Carta Capital e Rolling Stone, e como documentarista e roteirista para Vice.com, Netflix e TV Brasil. É coautor do livro Guerras da conquista: da invasão dos portugueses até os dias de hoje (HarperCollins, 2021) e co-organizador de diversos títulos, incluindo Routledge Handbook of Latin America and the Environment (Routledge, 2023) e Memórias sertanistas: cem anos de indigenismo no Brasil (Edições Sesc, 2015).