Sexismo, patriarcado e capital: a mulher num mundo em crise

A Elefante está lançando O sexo do capitalismo, de Roswitha Scholz, em tradução de Boaventura Antunes. O livro está em pré-venda com desconto em nosso site. Trata-se de uma contribuição crítica radical não apenas no que se refere à condição das mulheres, mas, sobretudo, a uma leitura da crise civilizacional da qual somos contemporâneos. Segue abaixo o texto inédito para esta edição brasileira, escrito pela autora alemã.

Prefácio à edição brasileira

Este livro foi escrito na segunda metade da década de 1990. Muita coisa mudou desde então. Embora o desconstrutivismo fosse muito popular naquela época, houve um renascimento de Marx, pelo menos desde o crash de 2008. O desconstrutivismo foi acusado de ter esquecido completamente o materialismo.

Entretanto, a direita vem ganhando terreno no mundo todo, à medida que se torna evidente a crise fundamental do capitalismo. Esta é a tendência geral dos últimos anos, mesmo que tenha havido fases intermediárias, como a eleição de Obama e a substituição de Bolsonaro por Lula no Brasil. Enquanto na fase neoliberal se procurava derrubar fronteiras, hoje procura-se demarcar fronteiras por todo lado. As ideologias nacionalistas e etnofundamentalistas ameaçam tornar-se hegemônicas. Mesmo em contextos de esquerda, a lógica identitária vem sendo novamente enfatizada, em contraste com a anterior desconstrução de identidades. Eclodiu um conflito entre a política de identidade e a política de classe. Em vez de se criticar o caráter fetichista do capitalismo patriarcal, ou seja, o trabalho, o valor, o capital e a dissociação, e de se analisar e criticar a partir deste ponto de vista as desigualdades e discriminações racistas (entre outros, contra os negros), antissemitas, islamofóbicas, sexistas, homofóbicas e anticiganas, o foco recai agora sobre as identidades. Ou, ainda, o velho antagonismo de classes, há muito anacrônico, vem sendo novamente tomado como núcleo essencial do capitalismo, como base para a análise e para a crítica sociais.

A crítica personificadora do capitalismo torna-se, então, cada vez mais popular. As elites são atacadas. Grande parte da esquerda adota uma posição populista, pensando poder assim contrariar a maciça guinada para a direita. Os mitos da conspiração e as tendências racistas, antissemitas, islamofóbicas, sexistas, homofóbicas e anticiganas têm aumentado, e não apenas desde a pandemia do coronavírus. Um ponto de vista de esquerda tradicional acomoda estas ideologias.

O feminismo marxista também desenterra conceitos marxistas tradicionais remodelados à maneira feminista. A chamada “teoria da reprodução social”, que procura explicar a opressão das mulheres de forma não histórica com categorias obsoletas, está atualmente muito em voga (ver Lise Vogel, Marxismo e a opressão às mulheres: rumo a uma teoria unitária. São Paulo: Expressão Popular, 2022).

O livro O sexo do capitalismo tem uma abordagem diferente. Baseia-se no complexo entendimento crítico do fetichismo de uma crítica do valor desenvolvida principalmente por Robert Kurz, mas também por Moishe Postone, tentando elevá-la a um novo nível, qualitativamente diferente, na crítica do valor-dissociação. A crítica do valor-dissociação distingue-se aqui tanto da política identitária e do pensamento da autenticidade (também representados em abordagens decoloniais, como a de Walter Mignolo) quanto do marxismo da luta de classes, que, de acordo com a hipótese repressiva de Michel Foucault, parte da simples tese de que os trabalhadores são explorados e oprimidos pelos capitalistas.

Nos últimos anos, o “feminismo” tornou-se um tema importante, incluído na mídia burguesa. Ao mesmo tempo, porém, há tendências visíveis também no feminismo marxista para tratar a relação hierárquica de gênero como uma contradição secundária, subsumindo-a à relação de classe. Este livro opõe-se veementemente a isso.

Mesmo que o valor-dissociação tenha de ser visto como a estrutura basilar do capitalismo, esta crítica escapa ao velho pensamento da contradição principal e secundária. Com Adorno, ela também sabe “pensar contra si mesma” e abordar ao mesmo tempo também outras desigualdades, o racismo, o antissemitismo, a islamofobia, a homofobia e a transfobia etc. No entanto, ainda não desenvolvi isso neste livro, mas apenas posteriormente noutras publicações (sobretudo no meu segundo livro Differenzen der Krise — Krise der Differenzen [Diferenças da crise — crise das diferenças], de 2005, a ser publicado em breve no Brasil).

Na minha opinião, o essencial de O sexo do capitalismo deve ser mantido ainda hoje sem nenhuma dificuldade. E aplica-se também ao Brasil, onde o asselvajamento do patriarcado se aprofunda explicitamente. Podemos verificar isso, por exemplo, nos feminicídios e na crescente administração da crise pelas mulheres, mesmo apesar da simultânea tentativa de promoção da igualdade de gênero por parte do governo (ver Ana Eliza Cruz Corrêa & Scheilla Nunes Gonçalves, “Crise e asselvajamento do patriarcado no Brasil: as mulheres dos escombros no capitalismo periférico”, obeco-online.org, 2024).

_
Ilustrações da edição: breno