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Sobre os homens
Por bell hooks
Prefácio de A vontade de mudar
Quando foi publicado o livro About Men [Sobre os homens], de Phyllis Chesler, em 1978, fiquei empolgada. Finalmente, pensei, uma pensadora feminista explicaria esse mistério — os homens. Até então, nunca havia compartilhado com ninguém o que eu sentia a respeito dos homens. Eu não havia conseguido confessar que não apenas não entendia os homens; eu os temia. Tinha certeza de que Chesler, com a ousadia de sempre, não se limitaria a nomear e explicar esse medo; ela faria muito mais: ela tornaria os homens tangíveis para mim. Os homens se tornariam pessoas com as quais eu poderia conversar e trabalhar, as quais eu poderia amar. O livro, porém, foi decepcionante. Repleto de citações de diversas fontes e de recortes de jornal sobre violência masculina, oferecia fragmentos de informação; havia pouca ou nenhuma explicação, nenhuma interpretação. A partir daquele momento, passei a achar que outras mulheres tinham medo de falar abertamente sobre os homens, medo de explorar a fundo nossas conexões com eles (o que testemunhamos como filhas, irmãs, avós, mães, tias, parceiras, objetos sexuais ocasionais) e medo até de admitir nossa ignorância — o que e quanto, de fato, sabíamos sobre os homens, afinal? Tudo que não conhecemos intensifica nosso medo e nossa sensação de ameaça. E certamente conhecer os homens apenas no que diz respeito à violência masculina — à violência praticada contra mulheres e crianças — é um conhecimento parcial e inadequado.
Hoje em dia, me impressiona que mulheres que defendem uma política feminista tenham tido tão pouco a dizer sobre os homens e a masculinidade. Nos primeiros escritos do feminismo radical, podia-se encontrar irritação, raiva e mesmo ódio aos homens. Contudo, não havia nenhuma tentativa significativa de oferecer caminhos para resolver esses sentimentos, para imaginar uma cultura de reconciliação em que mulheres e homens pudessem se encontrar e estabelecer pontos em comum. O feminismo militante deu às mulheres permissão para liberar sua fúria contra os homens, mas não nos permitiu discutir o que significa amar homens numa cultura patriarcal, nem saber como poderíamos expressar esse amor sem medo da exploração e da opressão. […]
Enquanto algumas mulheres ativas no movimento feminista nos sentíamos angustiadas por nossa incapacidade coletiva de converter multidões de homens ao pensamento feminista, muitas mulheres simplesmente consideravam que o feminismo lhes dava permissão para ser indiferentes aos homens, para dar as costas às necessidades masculinas.
Quando o feminismo contemporâneo estava no ápice, muitas mulheres insistiam que estavam cansadas de gastar energia com os homens, que queriam pôr as mulheres no centro de todas as discussões feministas. Pensadoras feministas que queriam incluir os homens na discussão, como eu mesma, eram frequentemente taxadas de machocentradas e desprezadas. Estávamos “dormindo com o inimigo”. Éramos as feministas em quem não se podia confiar, porque nos importávamos com o destino dos homens. Éramos as feministas que não acreditavam na superioridade feminina, assim como não acreditavam na superioridade masculina. À medida que o movimento feminista progrediu, ficou evidente que o sexismo e a exploração e opressão sexistas não mudariam a não ser que os homens também se engajassem profundamente na resistência feminista. Entretanto, a maioria das mulheres ainda não expressava nenhum interesse genuíno em enfatizar discussões sobre masculinidade.
Reconhecer que era preciso haver mais foco feminista nos homens, porém, não levou à produção de um conjunto de textos escritos por mulheres sobre os homens. A falta dessa literatura aumenta a minha sensação de que a razão pela qual as mulheres não conseguimos falar plenamente sobre os homens é que fomos muito bem socializadas na cultura patriarcal para silenciar sobre o tema. Mais que silenciadas, fomos socializadas para ser guardiãs de segredos sérios e graves — sobretudo aqueles que poderiam revelar as estratégias cotidianas de dominação masculina, o modo como o poder masculino é exercido e mantido em nossa vida particular. De fato, mesmo a prática feminista radical de taxar todos os homens como “opressores” e todas as mulheres como “vítimas” era uma forma de desviar a atenção da realidade dos homens e de nossa ignorância sobre eles. Simplesmente taxá-los de “opressores” e rechaçá-los significava que nunca precisaríamos dar voz às lacunas em nosso entendimento ou falar sobre masculinidade de maneiras mais complexas. Não precisaríamos falar sobre as formas como o nosso medo dos homens distorcia as nossas perspectivas e impedia a nossa compreensão. Odiar os homens era apenas outra forma de não levar os homens e a masculinidade a sério. Era simplesmente mais fácil para mulheres feministas falar sobre enfrentar e acabar com o patriarcado do que falar sobre os homens — o que sabíamos e o que não sabíamos, e de que formas queríamos que os homens mudassem. Bastava apenas expressar nosso desejo de que os homens desaparecessem, de vê-los mortos e acabados. […]
A vontade de mudar: homens, masculinidades e amor é sobre nossa necessidade de viver em um mundo onde mulheres e homens possam ser partes de um todo. Ao considerar as razões pelas quais o patriarcado mantém seu poder sobre os homens e suas vidas, eu insisto que reivindiquemos o feminismo para os homens, mostrando por que o pensamento e a prática feministas são o único caminho para abordarmos efetivamente a crise da masculinidade contemporânea. Ao longo dos capítulos repito muitos pontos, para que cada um deles expresse de modo independente as ideias mais importantes do todo. Os homens não podem mudar se não houver projetos de mudança. Os homens não podem amar se não lhes for ensinada a arte de amar.
Não é verdade que os homens não querem mudar. É verdade que muitos homens têm medo de mudar. É verdade que multidões de homens nem ao menos começaram a enxergar os modos como o patriarcado lhes impede de conhecer a si mesmos, de entrar em contato com os próprios sentimentos, de amar. Para conhecer o amor, os homens devem deixar de lado o desejo de dominação. Devem poder escolher a vida em vez da morte. Devem ter vontade de mudar.
Foto: “bell hooks and Marlon Riggs, New York, early 1990s,” by Lyle Ashton Harris.