Não é incomum nem totalmente infundada a crítica de que a esquerda marxista apresenta dificuldades históricas para lidar com as questões de gênero, raça e sexualidade. Contudo, entre o economicismo que resume a classe trabalhadora à figura do homem branco na fábrica e o identitarismo liberal tão em voga
há muito mais do que sonha o vão antimarxismo.
A teoria da reprodução social (TRS), apresentada sob diferentes perspectivas
neste livro, aparece nesse continuum como uma forma profícua de compreender as diferentes relações sociais que constituem a realidade concreta. Ao propor o resgate, em Marx, de uma compreensão ampliada da categoria “trabalho”, autoras e autores que se ligam à TRS indicam a urgência de reconsiderar o significado de
“classe trabalhadora” numa perspectiva marxista que amplie a compreensão do conceito para perceber suas dimensões generificada, racializada, diversa e
geograficamente localizada em uma totalidade capitalista contraditória.
No mesmo sentido, recentralizar a ideia de opressão convida os marxistas a abandonarem a secundarização das experiências de opressão e compreendê-las não apenas como decisivas para a formação e a luta da classe trabalhadora mas como diretamente relacionadas à exploração capitalista.
A urgência em compreender as relações internas à classe social — como o gênero, a raça e a sexualidade — é uma percepção hegemônica no campo progressista brasileiro atualmente. Nos Estados Unidos, intelectuais negras como Angela Davis e
militantes do coletivo Combahee River, por exemplo, já fizeram essa articulação. Aqui, pensadoras como Lélia Gonzalez e Heleieth Saffioti representam algumas das contribuições mais fundamentais do século XX para compreender a experiência histórica que constitui um capitalismo heterossexista, racista e de caráter dependente.
Lançado originalmente em 2017, 150 anos depois da primeira publicação de O capital, de Marx, este livro, organizado por Tithi Bhattacharya, cumpre o papel de ser fiel ao método marxiano de buscar as raízes das opressões de gênero, sexualidade, raça, entre outras formas de aviltamento do ser social, ao mesmo tempo que apresenta a criatividade necessária para ampliar as categorias do autor alemão. Como uma das primeiras coletâneas da teoria da reprodução social, a obra
é bem-sucedida ao abordar temas urgentes aos desafios do nosso tempo.
Os capítulos trazem questionamentos sobre a centralidade da classe em sua multiplicidade; o cuidado e a reprodução social em seu lugar intrinsecamente contraditório no capitalismo; o terreno da reprodução social (produção da vida) enquanto espaço de lutas sociais de classe, entre outras formas de abordar a produção e a reprodução social em sua maneira contraditória e una.
Há também um diálogo com o conceito de interseccionalidade; o questionamento da relação entre modo de produção e o local social da produção da criança; a pesquisa em torno do papel da pensão, da aposentadoria e suas relações com a reprodução geracional da força de trabalho. Por fim, outros enquadramentos abordados neste volume são as migrações e sua importância para o capitalismo sob a ótica da TRS; a tentativa de entender a sexualidade em suas bases materiais; e as lutas das mulheres enquanto lutas de classes necessárias à emancipação.
O livro se destaca pela presença do conjunto de proeminentes autoras e autores, assim como pelas importantes questões que suscita. É um convite às novas gerações de intelectuais e militantes a se unirem ao vibrante Feminismo para os 99%!
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Grupo Teoria da Reprodução Social