Verónica Gago e Luci Cavallero investigam a vida doméstica como laboratório neoliberal

 

Nesta reta final de 2024, a Elefante está orgulhosamente imersa no feminismo latino-americano!

Além da nossa primeira tradução de uma obra da Silvia Rivera Cusicanqui, agora abrimos a pré-venda de A casa como laboratório.

O livro é fruto de uma co-edição com a Criação Humana, em que as autoras argentinas Verónica Gago e Luci Cavallero dão continuidade às reflexões de um trabalho anterior, o livro Uma leitura feminista da dívida (Criação Humana, 2022), no qual relacionam violência financeira e violência de gênero.

Esta nova obra, porém, está indelevelmente marcada pela pandemia de covid-19. Para as autoras, ao manter parte significativa da população dentro de casa, o coronavírus transformou o lar em espaço de experimentação das novas tecnologias financeiras e dos novos regimes de trabalho e convívio social. 

Foi um golpe duro para os feminismos, que ao longo das últimas décadas se esforçaram para “desconfinar esse lugar que por muito tempo se quis privado, familiar e campo privilegiado do trabalho não remunerado” — principalmente na Argentina, onde as mulheres vinham se mobilizando cada vez mais contra o feminicídio e pela descriminalização do aborto, com sucessivas vitórias. 

Com um pé na universidade e outro na militância, Luci e Verónica acreditam que a pandemia serviu de pretexto para uma manobra de reprivatização, uma espécie de “chamado à ordem” em reação à ocupação das ruas pelos feminismos e suas tentativas de subverter a noção de ambiente doméstico heteropatriarcal. 

Isso se deu basicamente através de quatro processos: o aumento das dívidas domésticas contraídas para a aquisição de bens básicos e para atender necessidades emergenciais; o crescimento das dívidas de aluguel; a reorganização e intensificação das jornadas de trabalho reprodutivo e produtivo em um mesmo espaço; e a invasão dos lares pela tecnologia financeira (fintech). 

“Por meio dessas quatro dinâmicas, podemos ler a casa não como lugar de isolamento, mas como campo de batalha fundamental”, escrevem. “A casa é um espaço que passa a condensar formas financeiras inovadoras e de intensificação do trabalho. É no lar que se entrelaçam formas decisivas da valorização atual.” 

Um exemplo disso é a proliferação de jornadas de trabalho, que deixaram de acontecer de maneira consecutiva para se tornarem simultâneas. “Se antes se falava em tripla jornada, estamos hoje diante da quase impossibilidade de distinguir as horas em que cada uma dessas jornadas acontece. Cada hora é tripla jornada em si mesma.”

Parte significativa das reflexões de Luci e Verónica ocorreram em contato direto com mulheres de uma favela de Buenos Aires conhecida como Villa 31 y 31 Bis que lutam contra as modalidades de urbanização e desapropriação promovidas pelo poder público em parceria com bancos privados e fundos de investimento. A interação com o movimento Inquilinos Agrupados contra a desregulação do mercado de aluguéis e os despejos

também foi essencial para o livro. “Analisar a casa como laboratório é enfatizar a faceta rentista do capital, que se pretende como a mais abstrata e que, ao mesmo tempo, está hoje difundida pelos espaços onde se disputam as hierarquias de gênero, onde se experimentam mais brutalmente a precariedade e a exploração do trabalho não remunerado”, afirmam as autoras. 

“É a partir daí que pudemos voltar a pensar a casa como lugar de novos cercamentos: espaços de recolonização financeira para o capital, onde as dívidas continuam se acumulando devido ao aumento global do custo de vida.”

 

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