Por Bolívar Torres
Publicado em O Globo
O escritor e crítico literário Jorge Carrión é hoje um dos mais conhecidos baluartes na luta pela sobrevivência das livrarias físicas. Para o catalão, não há como defender esses espaços sem apontar as gigantes do e-commerce como antagonistas. “Contra Amazon e outros ensaios sobre a humanidade dos livros” (Elefante), seu mais novo livro lançado no Brasil, é ao mesmo tempo uma declaração de amor às livrarias e uma pesada crítica ao modelo de negócios da empresa de Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo.
Famoso pelo best-seller “Livrarias” (2012), que acaba de ganhar uma segunda edição pela Bazar do Tempo — com nova apresentação que funciona como uma mensagem de encorajamento para os livreiros brasileiros nesse momento —, Carrión confronta duas formas de se relacionar com os livros. A loja física se impõe como esse espaço de sensações e encontros, que não podem ser reproduzidos digitalmente. Já a gigante americana é tratada como um “hipermercado”: transforma os livros em objetos que chegam à nossa casa “sem história prévia ou singularidade”.
— As livrarias são espaços de contato humano, olhar, comunicação, democracia — diz Carrión, em entrevista por e-mail. — Você não pode se apaixonar na Amazon, mas pode numa livraria.
Com o crescimento do e-commerce, uma possível concentração em torno da Amazon preocupa as editoras, que buscam alternativas para ajudar as livrarias. Ao lançar “Contra Amazon” no Brasil, a Elefante usou a campanha “Adote uma livraria”, em que o consumidor pode destinar 20% do valor do livro comprado a pequenas livrarias parceiras. Já a Record aposta nos sites “locais” para operar a venda de eventos virtuais.
— A Amazon faz um bom serviço pelo livro, a questão é lutar para não concentrar tanto — diz Roberta Machado, diretora comercial e vice-presidente do Grupo Record. — Como uma editora grande, não dá para boicotar a Amazon, mas dá para criar projetos de incentivo ao comércio local: levar autores, pensar eventos exclusivos, campanhas.
“Contra Amazon” não deixa de ser uma sequência lógica de “Livrarias”, em que o autor perambula mundo afora visitando lugares icônicos como a Shakespeare and Co., em Paris. Muito do sucesso da obra se deve ao timing: Carrión discutia o lugar das livrarias no imaginário coletivo no momento em que o debate para salvar essas lojas de rua se intensificava.
Agora, o livro chega ao Brasil ao mesmo tempo em que Jeff Bezos se torna a primeira pessoa da História a alcançar uma fortuna de US$ 200 bilhões. Carrión afirma que o bilionário americano não se importa com o mundo dos livros e entrou no filão por puro oportunismo comercial. E o acusa de ter eliminado o “fator humano” deste mercado, robotizando a cadeia de distribuição e tentando fazer o mesmo com os consumidores.
Nos depósitos da Amazon, “os livros estão guardados ao lado de torradeiras, brinquedos ou skates”, escreve o autor catalão em seu manifesto. “Em suas novas livrarias físicas, os livros estão em primeiro plano, mas exibem apenas os cinco mil títulos mais vendidos e mais bem avaliados pelos clientes, número bem distante da quantidade e do risco característicos das verdadeiras livrarias”.
A edição brasileira do livro, publicado originalmente na Espanha em 2017, traz um capítulo inédito sobre o drama das livrarias em tempos de Covid-19. Para Carrión, a pandemia deu ainda mais força à Amazon, que se beneficiou do fechamento provisório das lojas físicas. Porém, ele pontua que as melhores livrarias tendem a formar uma boa comunidade — e, nos momentos difíceis, são sustentadas por seus clientes, que são amigos.
— Nos encontramos em uma situação paradoxal: por um lado, acelerou-se a transição tecnológica e a dependência digital; por outro, após o confinamento, precisaremos mais do que nunca de abraços e contato físico — diz ele.
De acordo com o Compre&Confie, um software que monitora a segurança das compras on-line, a Amazon teve o maior trimestre de vendas de todos os tempos. Não por acaso, as editoras perceberam em seus sites de e-commerce um crescimento das vendas durante o período em que as lojas ficaram fechadas na pandemia. Em julho, mesmo se limitando aos canais on-line, o volume de vendas superou o do ano anterior em 4,6% .
Procurada pelo GLOBO, a Amazon informou que não iria comentar o livro e os pontos abordados pelo escritor na entrevista. Mas, através da sua assessoria, afirmou que continuará “investindo, apoiando e contribuindo com livrarias por meio do marketplace, que fornece visibilidade e capilaridade” para as vendas. “Além disso, realizamos webinars e tutoriais que ajudam os pequenos e médios a alcançarem mais sucesso on-line” , diz a nota.
Carrión admite que a venda on-line tem aspectos positivos, como um maior acesso aos livros para pessoas que vivem em locais remotos ou que têm problemas de mobilidade. Ironia máxima: seu livro está à venda na plataforma digital e já levou pessoas a mudarem de opinião sobre ela:
— Às vezes chegam até a mim mensagens de leitores que acharam “Contra Amazon” na Amazon e decidiram, depois de lê-lo, que não comprariam mais livros lá.