Larissa Bombardi: Lula continua ‘refém’ de estrutura colonialista
Por Lucas Salum
Publicado em Brasil de Fato
Ano passado, o Brasil liberou 663 agrotóxicos. Embora a grande maioria se refira a produtos genéricos de outros herbicidas que já estavam aprovados no país, o número ligou sinal de alerta para pesquisadores que acreditavam que a atual gestão federal iria mudar a política de uso de venenos nas lavouras.
“A gente tem um governo, que se propõe progressista, refém de uma estrutura colonialista em que os proprietários de terra, ou os representantes dos proprietários de terra, controlam o país”, resume a pós-doutora em geografia humana Larissa Bombardi, em entrevista ao programa Bem Viver desta quinta-feira (6).
Ela é autora do livro Agrotóxicos e colonialismo químico, que explica como a América Latina compra e consome produtos extremamente nocivos à saúde humana e ao meio ambiente, ao mesmo tempo que esses agrotóxicos são proibidos nos países de origem, principalmente nações da União Europeia.
“No Brasil, dos dez agrotóxicos mais vendidos, cinco são proibidos na União Europeia. E um deles, que se chama atrazina, que é o quarto no ranking de vendas no Brasil, foi proibido na União Europeia, justamente porque ele está dentro dessas substâncias consideradas extremamente tóxicas, e está associado a diversos tipos de câncer, por exemplo, de ovário, próstata, tireóide, estômago, dentre outras.”
Na entrevista, a pesquisadora explica mais sobre a ligação do câncer com agrotóxicos e como se dá essa relação de colonialismo, que, segundo ela, segue se agravando ano após ano.
Estamos na semana em que marca o Dia Mundial de Combate ao Câncer. Podemos relacionar o enfrentamento à doença com as políticas de agrotóxicos?
Nossa, é essencial conectar esses pontos.
Tem uma sigla em inglês, HHP [Highly Hazardous Pesticides], que define os agrotóxicos extremamente perigosos. A maior parte desses agrotóxicos está proibida na União Europeia justamente porque eles causam não só uma intoxicação aguda – aquela situação em que a pessoa teve contato com a substância e passou mal, desmaiou, teve vômitos, dores ou coceiras, algo que é muito instantâneo –, mas também existe outro efeito mais invisível, por assim dizer.
São os efeitos crônicos da exposição agrotóxicos. O que é esse efeito? São doenças crônicas, dentre elas, principalmente, o câncer, que as pessoas desenvolvem em função da exposição cotidiana a essas substâncias.
No Brasil, dos dez agrotóxicos mais vendidos, cinco são proibidos na União Europeia. E um deles, que se chama atrazina, que é o quarto no ranking de vendas no Brasil, foi proibido na União Europeia, justamente porque ele está dentro dessas substâncias consideradas extremamente tóxicas e ele está associado a diversos tipos de câncer, por exemplo, de ovário, próstata, tireóide, estômago, dentre outras.
Obviamente, que os trabalhadores rurais, os camponeses, a população que vive próximo a áreas com cultivo intensivo, estão mais expostas a essas substâncias, mas eu diria que a população como um todo está, por conta dos alimentos que a gente consome.
Essas substâncias estão presentes na alimentação e na água. Então, o glifosato, por exemplo, que é o agrotóxico mais vendido no Brasil, o mais vendido no mundo, foi considerado potencialmente cancerígeno para seres humanos pela Organização Mundial da Saúde há 10 anos, desde 2015. E, no Brasil, o resíduo dessa substância é 5 mil vezes mais permissivo do que aquele permitido na União Europeia.
Mesmo que a pessoa apenas consuma orgânicos, ela segue exposta aos agrotóxicos, certo?
O monitoramento que acontece no Brasil de resíduos de agrotóxicos é muito incipiente. Por exemplo, quando a gente fala de agrotóxicos nos alimentos, a gente tem essa representação na nossa cabeça de que a gente está falando de alimento fresco, frutas, verduras e legumes.
No entanto, a carne não é monitorada, a alimentação infantil não é monitorada, os ultraprocessados não são monitorados, as bebidas não são monitoradas.
Então, grande parte da nossa alimentação sequer é monitorada. E houve anos em que sequer a soja, que responde por mais da metade do consumo de agrotóxicos no Brasil, também não foi monitorada.
Realmente é uma violência invisível. É uma violência invisível no campo quando a gente fala dos conflitos fundiários em que essas substâncias têm sido utilizadas como armas químicas para uma tentativa de expulsão de indígenas, de camponeses, de quilombolas de suas terras.
E ela é também uma, eu diria, uma violência invisível, na isenção de impostos para agrotóxicos.
Como a senhora avalia a atuação do governo Lula diante deste cenário?
Eu diria que o governo está tímido. Achei muito importante esse pronunciamento dele com relação à comparação que ele fez Brasil e Alemanha, de que não é possível que o Brasil esteja exposto às substâncias que, por exemplo, a Alemanha não está.
Mas os dados mostram um caminho diferente do que a gente esperava. Por exemplo, o número de novos agrotóxicos aprovados. Isso me remete ao título do meu livro [Agrotóxicos e Colonialismo Químico].
Quando a gente fala de colonialismo, obviamente a gente pensa no colonialismo histórico, no momento em que a Europa avançava sobre as terras da América, em que pilhava essas terras, ou seja, em que se apropriava dos recursos naturais por meio de extrema violência,
[Karl] Marx morou aqui em Bruxelas, onde eu vivo, e escreveu o Manifesto Comunista em 1847, 1848. Ou seja, naquele momento, a Europa já estava discutindo questões de trabalho, relações de trabalho, condição do trabalhador.. E a escravização de pessoas era algo impensável naquele momento histórico.
No entanto, eram as companhias europeias que comercializavam as pessoas escravizadas, que traziam as pessoas da África para outras partes do mundo na condição de escravos.
Então, aquilo que ela não tolerava para si, estava no auge mundo afora, patrocinado pela própria Europa.
Guardadas as devidas proporções históricas e geográficas, a gente está diante de uma Europa que não tolera algumas substâncias no seu território, mas que vende essas substâncias para outros países.
Só que o colonialismo não existe sem a colonialidade. Qual que é a parte da colonialidade? A colonialidade é essa maneira, essa forma como nós nos constituímos como nação, em que há uma pequena, minúscula elite, classe social, que controla a propriedade da terra.
E isso se perpetuou na América Latina e no Brasil ao longo dos séculos. E o que é que a gente tem hoje? A gente tem um governo, que se propõe progressista, refém de uma estrutura colonialista em que os proprietários de terra, ou os representantes dos proprietários de terra, controlam o país.