Ditadura versus Paulo Freire: o país que escolheu perseguir um educador

Por Paulo Silva Junior
Elefante na Sala

Em 1964, Paulo Freire foi preso duas vezes. Um primeiro interrogatório dizia se tratar de um dos responsáveis pela subversão no campo da alfabetização de adultos. Um segundo foi mais breve, porém mais duro. Visitar esse inquérito, com revisão e contexto, é oferecer um novo material para debates formativos sobre a repressão e o modo específico da atuação da ditadura diante da pedagogia freiriana. E segue sendo, no país de hoje, uma defesa de Paulo Freire contra as mentiras da extrema-direita e os novos projetos neoliberais de educação.

O Elefante na Sala é o podcast da Editora Elefante, disponível nas plataformas de streaming (link para Spotify e Youtube) e no player acima. Você nos apoia curtindo, seguindo e avaliando nossos canais. Nesta primeira temporada, a partir de março de 2025, vamos trazer uma série de conversas com autores do nosso catálogo, com novos episódios às quintas-feiras. O sétimo episódio trata de Inquérito Paulo Freire: a ditadura interroga o educador, numa conversa com Joana Salém Vasconcelos, que além desse, aqui na Elefante, também é co-organizadora de Paulo Freire e a educação popular: esperançar em tempos de barbárie.

Joana, Paulo Freire foi preso duas vezes em 1964, e é daí que vem esse inquérito com o conteúdo dos interrogatórios aos quais ele foi submetido. Queria que você contextualizasse esse episódio da repressão da ditadura brasileira e o medo que eles tinham, esse certo ruído que existia ali entre a força militar e a pedagogia, além da figura, de Paulo Freire.

Pois é, a repressão da ditadura foi seca no Paulo Freire e também nos educadores freirianos ou educadores dos movimentos culturais de base que existiam no Brasil naquela época. Alguns diretamente relacionados à proposta pedagógica freiriana, e outros até que não. Existia uma pluralidade de movimentos pedagógicos nas bases da sociedade brasileira naquele momento que se vinculavam a propostas emancipatórias de alfabetização de adultos e de educação popular, de modo geral.

E por que isso? O Paulo Freire, ele mesmo, individualmente, estava se tornando uma figura cada vez mais importante na política brasileira e ele tinha se tornado, no finalzinho de 1963, o coordenador nacional da campanha de alfabetização do governo Jango, que era uma campanha que tinha como objetivo erradicar o analfabetismo no Brasil. Ele não era um funcionário público de altíssimo escalão, mas ele estava ali num terceiro escalão, digamos. Ele respondia ao ministro da Educação, que inicialmente era o Paulo de Tarso. E depois Paulo de Tarso vai encontrá-lo no Chile, eles vão se reencontrar no exílio.

Mas o fato é que a campanha de alfabetização do Paulo Freire tinha um potencial de dar muito certo, de ser muito bem-sucedida. Exatamente pelo fato de que a educação freiriana não só coloca a horizontalidade entre o educador e o educando como uma proposta de escuta, de compreensão da realidade do educando, mas também descentraliza o processo educativo de modo que uma pluralidade de educadores poderia, então, se engajar. Ou seja, é o oposto da tecnocracia. A pedagogia freiriana não concentra um poder técnico específico que poucas pessoas iluminadas podem executar. Ao contrário, a proposta metodológica dele é extremamente acessível a educadores das mais diversas realidades brasileiras e adaptável às mais diversas situações.

E justamente por isso essa proposta de alfabetização de adultos dele tinha um potencial de dar muito certo. Sem falar no fato de que um dos elementos de Angicos [município no Rio Grande do Norte] que foi comentado pela imprensa da época é que a alfabetização foi muito rápida, justamente por conta de uma metodologia muito alinhada e afinada com a realidade daqueles adultos que estavam sendo alfabetizados. E aí tem dois pontos sensíveis do que seria alfabetizar adultos no Brasil daquele momento pré-golpe.

O primeiro é que as pessoas não alfabetizadas daquele momento, que correspondiam a 40-45% da população adulta brasileira, estavam proibidas de votar, não tinham direitos políticos. Então, alfabetizar adultos significava incorporar uma massa, quase 16 milhões de pessoas, ao sistema eleitoral brasileiro. E, obviamente, o governo que o realizasse muito provavelmente seria beneficiado por isso, no sentido de que seria reconhecido por esses novos eleitores pela conquista que tiveram. Então, havia um temor da parte das direitas, tanto da UDN, quanto dos militares, quanto das direitas empresariais, de que esse processo massivo de alfabetização tornaria a esquerda muito mais forte, desequilibraria o jogo eleitoral brasileiro de uma maneira irreversível ou muito difícil de reverter para as forças da direita. Esse elemento é muito importante para a gente entender a raiva do golpe de 1964 contra a pedagogia freiriana.

E também o fato de que é uma pedagogia que tem como princípio exatamente a quebra das hierarquias. Isso vai incomodar aquela cultura política que tem, por definição, a hierarquia como seu centro, que é a cultura política autoritária, que pensa nessa ideia da moral dos bons costumes, da obediência, do poder patriarcal na família, do poder da hierarquia militar. Toda essa cultura política que é imposta e é reforçada pelo golpe é exatamente antagônica à cultura política da pedagogia freiriana. Então, existe um antagonismo ali que é muito sensível nesse momento, de modo que a repressão vai ser bastante incisiva e direta contra Paulo Freire, indivíduo, e os educadores que estavam vinculados, de alguma forma, à sua proposta.

E como o livro avança em relação à pesquisa mais direta da fonte dos acontecimentos? O que essa edição ajuda a construir para que o livro seja usado em debate, em discussão, em pesquisa, para além, claro, do inquérito transcrito na íntegra?

Pois é, os historiadores trabalham sempre com documentos. Os historiadores da educação no Brasil, especialmente aqueles ligados a essa época dos anos 1960 e a trajetória do Paulo Freire, ou mesmo à ditadura, já conheciam esse documento. Esse livro é uma fonte primária analisada. Então, são dois interrogatórios aos quais Paulo Freire foi submetido em 1964, antes dele sair para o exílio.

Um deles foi em junho, o outro em setembro. E, na virada de outubro para novembro, Paulo Freire vai escapar do Brasil, porque ele tinha sido justamente convocado para um terceiro interrogatório onde a leitura dele foi que, nesse terceiro, ele poderia se dar ainda pior e poderia não sair mais com a integridade física que ele saiu. Poderia ser torturado, desaparecer. Temia que nesse terceiro interrogatório algo muito ruim pudesse acontecer.

Então esses dois interrogatórios que estão no livro não eram desconhecidos dos pesquisadores, mas, quando eu estava na minha pesquisa de doutorado, que, na verdade, era relacionado com a participação do Paulo Freire na reforma agrária do Chile, eu acabei me deparando com eles. Li o documento e achei muito interessante como uma estratégia de trabalho com o grande público. No sentido de que é preciso reforçar as ferramentas que o historiador possui para analisar criticamente um documento dentro de um processo pedagógico de qualquer cidadão ou cidadã. Ou seja, a análise crítica de uma fonte primária é um elemento fundamental para a formação democrática.

Então, partindo dessa ideia que a educação brasileira iria se beneficiar –– as escolas, as universidades poderiam se beneficiar com essa proposta ––, há uma publicação desses dois relatórios e com uma fortuna crítica, com um texto de apoio. Tem ainda uma apresentação que eu escrevi, baseada também nos documentos da Comissão da Verdade, que contextualiza a situação na qual o Paulo Freire foi reprimido e explica também quem foi o seu algoz, que foi o coronel Hélio Ibiapina.

E, no final, tem uma entrevista que eu realizei com o historiador Dimas Brasileiro Veras, que é professor do Instituto Federal de Pernambuco e um especialista nos movimentos educacionais brasileiros, justamente dessa época, dos anos 1960, e também da repressão contra educadores realizados na ditadura. E a entrevista trata um pouco também da atualidade das ideias freirianas e de como a atual extrema-direita continua se incomodando com as suas propostas.

O coronel Hélio Ibiapina Filho, que é esse interrogador algoz do Paulo Freire, é conhecido por ser um torturador feroz. Ele foi o comandante do Inquérito Policial Militar Rural na região Nordeste, que foi justamente o procedimento, a operação de destruição e repressão, contra os movimentos sociais camponeses dessa região, especialmente as ligas camponesas, que tinham sido, por sua vez, a ponta de lança das mobilizações populares do período pré-golpe. Então, havia um epicentro da luta social brasileira no campo, no Nordeste, especialmente a luta pela reforma agrária, mas também a luta por educação popular. Esse Hélio Ibiapina vai cair batendo e matando nos movimentos sociais rurais.

É esse cara que vai interrogar o Paulo Freire. Tem um episódio interessante que ilustra bem a ferocidade repressiva desse coronel. Mais tarde, ele deu uma entrevista, já nos anos 1990, para a Folha de S. Paulo, na qual ele diz que foi à Escola das Américas, no Panamá, que era justamente aquela escola formada pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos, que formou dezenas de milhares de militares latino-americanos dentro da doutrina de segurança nacional da Guerra Fria, e que iria justamente organizar doutrinariamente as ditaduras militares daqui da região. E ele voltou reclamando, dizendo que lá eles não ensinavam nada que prestava, enfim, que era uma escola fraca. Ele usa essas palavras: muito fraca. A impressão que dá interpretando essa entrevista é que ele acha que o sistema repressivo brasileiro já está bem adiante da Escola das Américas, no sentido de que é mais violento, é mais torturador e tem técnicas de repressão mais adequadas.

Ele basicamente critica a Escola das Américas por ter mais investigação do que tortura, na opinião dele. E ele vai fazer um interrogatório esquisitíssimo com o Paulo Freire, porque durante uma boa parte das perguntas ele se remete a teorias pedagógicas, então ele fica perguntando para o Paulo Freire qual é a influência que diversos pedagogos da teoria pedagógica moderna tem ou não nas ideias freirianas. Tem um momento irônico do interrogatório, podemos dizer, que parece que o Paulo Freire está diante de uma prova oral, porque ele tem que responder perguntas de ordem teórica, de ordem do conhecimento pedagógico, que não tem absolutamente nenhuma relação com o que está acontecendo. Parece uma coisa estranha, e ao mesmo tempo é a exata antítese da pedagogia que ele propõe.

Então é uma prova oral armada, quase isso. E algumas outras perguntas completamente absurdas, relacionadas, por exemplo, com uma suposta semelhança das ideias de Paulo Freire com as ideias de Hitler, de Mussolini, de Perón, de Stalin, e o Paulo Freire vai respondendo de maneira límpida e bastante sincera que essas ideias simplesmente não têm nada a ver com as dele. É interessante porque as perguntas desse interrogatório são todas armadilhas vindas de um pensamento conspiratório altamente repressivo, só que o Paulo Freire, com muita sinceridade, limpidez e simplicidade, responde a essas perguntas, com algumas exceções.

Em alguns momentos é possível ver nos documentos que o Paulo Freire está com medo, e aí a parte da análise do documento é bastante por aí. Como analisar criticamente um documento, por exemplo, no qual uma das vozes do documento, que é a pessoa interrogada, mente em determinados pontos justamente porque sente medo, está se sentindo ameaçado, está se sentindo coagido? Então, por exemplo, ele acaba dizendo que ele acha que o governo do Castelo Branco é um bom governo.

Tem alguns pontos bastante críticos desse interrogatório onde é preciso ter um olhar contextualizado com as habilidades e os métodos do historiador crítico para que se faça uma leitura adequada e historicizada desse documento, e não se caia em uma leitura literal que seria, na verdade, o oposto daquilo que o documento transmite.

É muito interessante mesmo no livro esse jogo de perguntas e respostas, como você falou, perguntas que têm armadilhas, ao mesmo tempo que a gente está diante de uma figura muito interessante, de um debatedor inteligentíssimo, sagaz, para respondê-las. E aí, Joana, queria voltar um pouco no livro que você tinha organizado antes, Paulo Freire e a educação popular, num contexto de celebração da Rede Emancipa. Conta para a gente um pouco sobre esse movimento mais amplo, de crescer esse debate ou até de politizar ainda mais a luta por uma educação radicalmente livre, diversa, coletiva. E até puxando pela questão do inquérito, ver Paulo Freire também em outros ambientes da discussão brasileira.

Bom, o outro livro eu co-organizei junto com outras companheiras, a Maíra Mendes e a Daniela Mussi. E é um livro que partiu de um curso do Centenário do Paulo Freire, que foi um curso de extensão que eu coordenei dentro da Rede Emancipa, junto com a Universidade Federal do ABC, que foi o maior curso da história do nosso movimento e eu acredito que também da história da UFABC, porque a gente teve mais de 23 mil pessoas inscritas. Como ele era online, a gente liberou as inscrições sem limite e conseguimos um recorde. E aí o livro é uma síntese dessa multiplicidade que foi esse evento.

A gente brinca que foi o Fórum Social Paulo Freire que a gente criou no centenário. Então é um livro que tem uma abertura importante da Fátima Freire e do Moacir Gadotti, que foram os dois grandes nomes que deram nossa aula inaugural. Depois vem uma primeira parte do livro, que é a história do Paulo Freire, a trajetória, com figuras importantes que escrevem.

Tem um capítulo do Peter McLaren, um capítulo do Jacques Chonchol, que foi ministro da Agricultura do Salvador Allende, um grande amigo do Paulo Freire, que o acolheu no exílio no Chile. Tem um capítulo da professora Lisete Arelaro, que também trabalhou com o Paulo Freire na Secretaria de Educação de São Paulo. Ela, infelizmente, faleceu alguns meses depois de a gente ter feito a conversa com ela –– possivelmente esse capítulo é uma das últimas intervenções públicas da professora Lisete. E tem outros educadores importantes, como a professora Iracema Santos, o professor Eduardo Januário, também da Educação da USP.

Aí uma segunda parte do livro vai falar sobre territórios freirianos. Então trata das apropriações que os movimentos sociais ao redor do mundo, não só no Brasil, fazem da proposta pedagógica dele. E, por fim, uma terceira parte chamada o Prisma Emancipa, que são relatos de experiência pedagógica e educação popular, já de dentro do movimento social da Rede Emancipa em diversos estados brasileiros. E isso é algo muito caro para a esquerda brasileira atualmente, justamente porque a esquerda perdeu muito terreno nos territórios populares nas últimas décadas. Existe um avanço da direita e da extrema-direita nos territórios periféricos, vinculados a ideologias e doutrinas de extrema-direita, religiosas ou não. E, inclusive, há uma perda de território das esquerdas no próprio campo do cristianismo, do catolicismo, e o avanço da extrema-direita nesse sentido. E eu acredito que as apropriações e atualizações da proposta pedagógica do Paulo Freire, como forma de organização popular nos territórios, é algo importante e fundamental para os nossos tempos de necessidade de reorganização popular para avançar em um projeto popular de Brasil que custa a ser emplacado, apesar da vitória nas eleições (ou da derrota da direita nas eleições, da vitória da esquerda).

Esse projeto popular custa ser emplacado e parte disso tem a ver com uma dificuldade de organização, de mobilização popular nesse sentido. Acho que tem uma função mais ou menos por aí esse livro também. Eles formam uma dupla. O Paulo Freire e a educação popular é um livro coletivo, extremamente grande, e o Inquérito Paulo Freire é um livro mais específico, pontual, que tem essa finalidade de trabalho, de pesquisa em sala de aula.

Por fim, o nascimento de Paulo Freire fez 100 anos em 2021, logo a gente completa 30 anos de sua morte, seus livros vêm aí desde os anos 1960, publicados, republicados, há mais de meio século, portanto. E o que a gente ainda tem para pensar, descobrir, tensionar, criticar, propagar no que diz respeito a Paulo Freire? Como que esses livros, inclusive, entram nessa cronologia histórica mais ampla e o que que você poderia nos dizer sobre um futuro, sobre o que a gente ainda tem para investigar a respeito do Paulo Freire?

Bom, eu acho que Paulo Freire é um campo de pesquisa interessante da história social da educação no Brasil. Existem ainda ramos de pesquisa relacionados com a trajetória dele que podem ser desenvolvidos, fontes primárias. Paulo Freire escrevia muito na prática. Curiosamente, apesar de ter muitos livros publicados, é possível verificar que quase todos os escritos dele têm alguma expressão prática. Ele está realizando alguma intervenção pedagógica, organizando algum novo terreno, algum novo território em que ele está trabalhando, e aí ele escreve reflexões sobre essa prática. Por conta disso, também, há muito material escrito pelo Paulo Freire espalhado por aí. Eu mesma encontrei textos inéditos do Paulo Freire no Chile, que eram relatórios de pesquisa. Ele estava refletindo sobre a própria prática, mas não escrevendo um artigo para publicar ou um livro.

Agora, no campo das batalhas politico-pedagógicas, é preciso sempre defender o Paulo Freire em relação às calúnias da extrema-direita, as mentiras que se espalham sobre ele. Uma delas, por exemplo, é a ideia de que os fracassos educacionais brasileiros têm a ver com a adoção de uma pedagogia freiriana. É um mito absurdo, porque a educação brasileira é muito mais tradicional do que freiriana na escola formal. É sempre bom lembrar que Paulo Freire fazia uma proposta que foi muito focada na educação informal, ou na educação extra-escolar. Não que ele não possa ser aplicado à educação escolar, claro que pode, mas as atividades educacionais do Paulo Freire, via de regra, de educação popular, foram extra-formais. Então, nesse sentido também, os movimentos sociais se aproveitam, se apropriam muito bem da sua proposta. Isso é um ponto. A defesa do Paulo Freire perante a extrema-direita.

Por outro lado, existe também uma nefasta apropriação que o neoliberalismo fez do Paulo Freire, e isso ainda acho que pode ser melhor investigado, por exemplo, nessas novas reformas da educação, do ensino médio, da nova base nacional curricular comum, a BNCC. Se apropriaram, ou sequestraram o rótulo de freiriano em alguma medida, para projetos de educação flexível, muito vinculados ao neoliberalismo. Então, por quê? Porque como o Paulo Freire era crítico do conteudismo, e pensava uma educação vinculada à realidade, os elementos, fragmentos ou aspectos da pedagogia freiriana são descolados do conjunto da sua perspectiva política, e aí se imagina que isso seria suficiente.

Então, a ideia de uma educação por “competências e habilidades”, que é o que consolida o paradigma da BNCC, do novo ensino médio, tem menos conteúdo curricular de tipo convencional, das diretrizes curriculares, e mais espaços para novas habilidades, dos itinerários formativos, nesse neoliberalismo educacional da educação flexível –– que forma a educação flexível para o trabalhador flexível, do mundo de trabalho precarizado. Isso se apropria, e é preciso também perceber que o Paulo Freire tinha uma perspectiva que, embora fosse crítico do conteudismo, era de um conteudismo específico, não era o crítico do conteúdo, era o crítico de um certo conteudismo que, no tempo dele, era aquela coisa de ficar decorando o nome de presidente, de imperador, e de presidente da república, um por um, sem que aqueles nomes significassem nada. Ou aquele conteudismo da educação histórica tradicional, ou da educação geográfica tradicional, enfim, de todas as disciplinas escolares tradicionais, que exigiam muita memorização e pouca subjetividade do aluno. Mas ele não era crítico do conteúdo, ao contrário, ele defendia que o professor deveria, de alguma forma, articular os seus próprios repertórios nos processos pedagógicos, e que quanto mais esses repertórios fossem também trazidos pela realidade ou para a realidade dos próprios alunos, melhor, mias bem sucedida seria a emancipação pedagógica.

Então tem aí uma nuance que eu acho que é importante de reforçar para a gente não se confundir. Paulo Freire seria certamente um crítico da educação neoliberal e desse vazio conteudista, ou vazio de conteúdo, que muitas vezes é o reflexo de uma reforma do ensino médio que precariza, especialmente a escola pública, e cria novas desigualdades educacionais. Ou aprofunda as velhas desigualdades educacionais por conta disso. Então, são várias frentes de batalha que a gente pode pensar nesse sentido, numa perspectiva freiriana na atualidade.

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