Corumbiara, caso enterrado é novinho, mas já está metido a besta. O livro-reportagem foi mote da aula inaugural da licenciatura em Educação no Campo da Universidade Federal de Rondônia (Unir) em Rolim de Moura, na região central do estado. O auditório do campus ficou cheio que só na noite da última segunda-feira, 14 de setembro, quando os estudantes da nova graduação se encontraram pela primeira vez.
Integrantes de movimentos sociais destacaram a importância do curso, fruto de mobilização de professores de Educação e História da Unir de Rolim de Moura, atendendo a uma antiga reivindicação dos próprios movimentos. O propósito é a formação de professores e professoras entre assentados e acampados da reforma agrária, ribeirinhos, pequenos agricultores, remanescentes de quilombolas, indígenas, seringueiros e pescadores.
O autor de Corumbiara, caso enterrado fechou a noite ao lado do professor de História da Unir, Carlos Trubiliano. A turma estava tão animada que ignorou o horário avançado da prosa, que foi até quase chegada a madrugada. João Peres destacou o caso de Corumbiara como um exemplo bem acabado de subordinação do Estado ao poder econômico. E relatou várias passagens do episódio que mostram como Judiciário e Executivo foram pressionados a atender rapidamente ao pedido de fazendeiros.
Em julho de 1995, famílias sem-terra do sul de Rondônia ocuparam a fazenda Santa Elina, em Corumbiara. De imediato, o juiz determinou a reintegração de posse da área, sem conhecer a posição dos posseiros. No intervalo entre a expedição do mandado e o efetivo cumprimento pela Polícia Militar, líderes dos latifundiários locais cobraram o governador Valdir Raupp (PMDB), o magistrado Glodner Pauletto e o comandante da Polícia Militar, o então major José Ventura Pereira.
A operação de reintegração, levada a cabo em 9 de agosto de 1995, resultou em doze mortes – nove sem-terra, dois policiais e um rapaz não identificado. Cinco anos mais tarde, três policiais e dois líderes da ocupação foram condenados, num desfecho até hoje contestado por advogados das duas partes. Um fazendeiro vizinho à Santa Elina, Antenor Duarte do Valle, chegou a ser acusado de contratar um exército de pistoleiros que matou o sem-terra Sérgio Rodrigues Gomes, mas não foi levado a julgamento.
Se Corumbiara é um episódio-chave para a sociedade rondoniense em geral, tem um papel ainda mais importante para os futuros graduandos da licenciatura em Educação no Campo, que terá a incumbência de levar informações para um público que até hoje sofre consequências da falta de diálogo sobre a questão agrária. Durante o evento, muitos dos presentes destacaram a necessidade de conhecer a história para que se evite a repetição de episódios violentos e lembraram que continuam surgindo exemplos de subordinação do Estado ao poder econômico.
A primeira turma do novo curso tem 120 alunos, selecionados entre 450 que prestaram exame vestibular. Ao longo dos próximos quatro anos, eles revezarão o tempo entre as comunidades de origem e as aulas presenciais da Unir. Os professores devem se deslocar até assentamentos, comunidades ribeirinhas e outros espaços do interior de Rondônia para conversar com os alunos e conhecer o contexto em que vivem.