
A luta indígena no Paraná (longa, porém invisibilizada) narrada em poema
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Por Paulo Silva Junior
Elefante na Sala
Uma tia revela ao sobrinho um dado que abre uma jornada pela história oculta da família. É daí que parte Retorno ao ventre, uma mistura de memória e pesquisa documental em formato de poema narrativo bilingue, em português e kaingang, que acaba por investigar eventos da luta indígena no sudoeste do Paraná.
O Elefante na Sala é o podcast da Editora Elefante, disponível no player acima, nos tocadores, no YouTube e no nosso site. Essa é a segunda temporada das conversas com os autores, partindo deste episódio de número nove com Jr. Bellé, autor de Retorno ao ventre, livro semifinalista do Prêmio Jabuti 2025 na categoria Poesia.
Jr., antes da gente falar do enredo, da história que você conta, queria falar da forma poética do livro, do jeito com que o texto encontra a página. Conta um pouco seu processo de estabelecer o texto em versos, em poema, e essa página que se apresenta também de forma bilingue, mas um bilingue diferente do que as pessoas eventualmente estão mais acostumadas a ver, já que aqui você leva um texto do português para uma versão em kaingang. Como isso foi se estabelecendo?
O processo de composição da forma do livro demorou um tempinho. Eu já tinha a ideia do livro e já tinha um pouco do enredo na cabeça, mas eu sou essencialmente um poeta, então eu queria escrever um livro de poesia. Eu vinha da escrita de uma novela recentemente, poucos meses antes de começar o Retorno ao ventre, e eu não tinha gostado do processo. Eu queria voltar à poesia porque é o meu lugar de conforto, o lugar que eu tenho mais domínio das ferramentas de escrita.
E eu tentei vários caminhos. Passei mais ou menos um mês e meio, talvez mais, testando o primeiro poema, que é o Clarão, em diferentes formatos para entender como a voz daqueles personagens soava. Porque, embora seja um livro de poemas, é um livro que tem uma história, ou seja, é uma poesia narrativa que vai contar, desenrolar a vida de alguns personagens dentro de um território, dentro de um contexto, dentro de uma trama. Então eu precisava entender como aquelas vozes iam ressoar dentro da forma do poema.
Eu testei algumas formas, algumas manchas gráficas diferentes até chegar a esse formato mais versificado, mas ao mesmo tempo deixando ressoar dentro dele uma voz prosaica. Esse era um objetivo que eu tinha. Eu não queria fazer poesia em prosa, ou prosa poética, mas eu queria que esse lugar, que esse espaço prosaico reverberasse dentro do verso da poesia. Então eu encontrei um verso um pouco mais longo em alguns lugares, em outros um pouco mais curto, ou seja, um verso livre, mas que conseguisse fazer com que a voz desses personagens ressoasse e conseguisse costurar essas vozes também com o contexto histórico.
Porque o livro traz bastante bibliografia, o livro traz muita documentação histórica que eu pesquisei durante cerca de cinco anos em museus, em centros de investigação. Então essa documentação tinha que estar bem amarrada. E um dos brilhos, uma das partes mais bonitas do livro, é justamente ele ser bilíngue. Ele foi escrito em português e foi traduzido integralmente para o kaingang, porque o livro conta, o livro fala muito da história do povo kaingang no Paraná. Os kaingang estão desde o Mato Grosso do Sul, o Sul de São Paulo, até o Rio Grande do Sul. A gente conta um pouco dessa história no livro, mas foca bastante nas lutas de território do sudoeste do Paraná.
Cara, eu devo essa tradução inteiramente ao André Caetano. Ele é meu professor de kaingang, um amigo também, uma liderança da Terra Indígena Serrinha. E durante o processo do livro, chegou um momento que eu estava tão implicado e tão mergulhado na cultura kaingang, lendo tanta coisa, conversando com tanta gente, que eu senti necessidade de aprender o idioma, um pouco pelo menos. Então eu fui atrás de cursos, fui atrás de pessoas que pudessem me ensinar e encontrei o André, que é professor de língua kaingang e oferece cursos a jovens kaingang, também antropólogos, que estão trabalhando no campo e querem saber um pouco mais da língua. E eu entrei num desses cursos e ele se tornou meu professor.
Contei da história do livro para ele e perguntei se ele poderia fazer a revisão técnica, porque o livro tem, mesmo na parte em português, muitos termos em kaingang. E embora o kaingang seja um idioma falado milenarmente, ele foi transportado para a língua escrita há pouco tempo. Então tem uma variação de grafia muito grande de acordo com a terra indígena em que você está falando. E o André fez esse trabalho, e durante o processo ele me ligou e disse que estava gostando muito do livro, que achava que o livro era muito importante, que tinha se sensibilizado com aquele livro… E me sugeriu fazer a tradução completa do livro. E eu falei, acharia linda a tradução completa, mas quem poderia fazer isso? E ele falou que queria fazer. Demorou cerca de um ano. A gente começou em dezembro e terminou em outubro do ano seguinte. E eu acho que isso foi uma bela, bela decisão, porque realmente deu um outro brilho para o livro, deu um outro peso histórico para o livro.
Muito legal. Com certeza é um impacto gigantesco quando a gente abre o livro. E agora sim, para a gente entrar na trama, o livro começa de uma perspectiva bem pessoal, parte de uma conversa com uma senhora, sua tia, e vai passar por temas como a expedição militar, os kaingang, a própria formação do sudoeste do Paraná. Queria saber como foi seu mergulho nesse ambiente, se é algo que estava com você desde sempre por conta da relação familiar ou se você foi fundo num estudo, mais recentemente, para buscar essas memórias.
Eu venho do sudoeste do Paraná, e o sudoeste do Paraná é uma região muito conservadora. E eu sempre achei isso muito curioso, porque é uma região que tem uma história de construção política muito vinculada à esquerda. E atualmente é — desde a minha época de infância já era, na verdade — uma região bastante conservadora, para não dizer reacionária. E na minha família sempre se falou muito das origens europeias, tanto do lado da minha mãe, da origem alemã, quanto do lado do meu pai, das origens italianas.
Mas se você pega fenotipicamente a família da minha mãe, eles são todos fenotipicamente indígenas, tem um rosto indígena muito próximo do fenótipo guarani que a gente tem na cabeça. Só lembrando que a relação fenotípica não se aplica para indígenas, porque é uma variedade absurdamente grande, de uma população muito grande, uma população que migrou muito também. Então a gente tem indígenas no Paraná hoje, que são aldeados, por exemplo, e que são loiros, porque tiveram alguma mestiçagem com pessoas descendentes de europeus. Então esse fenótipo não é um bom dado. Mas eu dou esse dado porque a minha família tinha essa característica, esse traço fenotípico, e mesmo assim desprezava as suas origens, ninguém nunca quis saber. A gente sempre soube que existia um bisavô da minha mãe, que era guarani, mas ninguém falava dele, era uma conversa que ficava ali pelos corredores.
E a ideia do livro partiu de uma conversa com a minha tia. Eu sou funcionário do Sesc na avenida Paulista, e trabalho na programação de literatura da unidade. E na época eu estava formatando uma programação de literatura indígena. E minha tia me ligou. Ela não tem Alzheimer no livro, mas minha tia na verdade tem Parkinson, e o Parkinson já afeta bastante a memória dela, e ela tem uma dificuldade muito grande de falar. Ela teve um problema na garganta também. Era muito tarde da noite, a gente estava conversando, eu tenho uma relação muito materna com essa tia, porque ela entrou no lugar quando a minha mãe faleceu. E eu contei para ela que eu estava fazendo essa programação, e ela me disse, muito de passagem, falou “que legal que você está fazendo isso, porque a gente tem uma bisavó que era indígena”. E eu falei: como assim? Como assim, tia? Eu sabia do bisavô, do nosso bisavô, que era guarani.
E ela falou, “não, a gente tem uma bisavó, que era uma menina, e ela foi pega no laço, no mato, pelo bisavô”. E eu: como assim tia? Aí ela falou que não tinha muitos detalhes, ninguém nunca falou muito disso, mas “fala com seu tio”. Era um tio-avô, passou o contato dele, e continuou conversando, e aquilo ficou na minha cabeça. E a partir dessa ideia, dessa história dessa tia, eu fui investigar um pouco da origem indígena da família. Existe muito pouco registro, os registros são vazios. Você pega, você pede, por exemplo, a documentação dessas pessoas, e os nomes delas já são abrasileirados. Então você não tem nenhuma pista de quem eram aquelas pessoas de fato. Por trás daquele nome abrasileirado, qual era o nome real, verdadeiro. E tem alguns povos indígenas que inclusive os nomes mudam ao longo da vida. Então eu tive poucas informações sobre essa parenta.
E aí eu fui pesquisar a história indígena do território onde eu nasci, do Paraná. E essa história eu descobri fazendo essa pesquisa. Essa história é riquíssima, e longuíssima, e profundamente simbólica de como o Brasil lida com seus povos originários. Ela é o resumo da resistência dos povos indígenas e da perseverança colonialista do Brasil.
E é muito interessante como o livro tem uma robustez de relato histórico. Vale reforçar isso, até para quem talvez possa imaginar que se trata apenas de uma reflexão mais pessoal, mas não, ele traz também esse panorama geral. Por exemplo, eu separei uma estrofe aqui que se refere às retomadas durante a ditadura militar, que diz:
a primeira aconteceu em rio das cobras no paraná em 1977:
lanceiros de facão na mão flecheiros com cheiro de fogo
diante de três mil colonos e suas winchesters e carabinas
sua cruel revolta de posseiro suas décadas de trabalho duro
as promessas feitas aos filhos e os bolsos vazios de futuro
tantos peitos carregados de enganos
Eu separei para ilustrar um pouco, Jr., como o seu livro está dentro dessa história mais geral também, desse momento político brasileiro. E aí queria te ouvir um pouco sobre isso, como que ele está, digamos, nessa função também, nesse registro de um período, de uma região, de um país.
Veja, o livro tem uma pesquisa documental e museológica bastante robusta, eu diria, para um livro de poemas, e essa documentação histórica é verdadeira, eu não inventei nada. Realmente foi fruto de pesquisa, e reproduzi ela no livro como parte do enredo, justamente para ilustrar como essa resistência tinha que ser permanente dos povos indígenas. Eu estou falando dos povos indígenas do Sul, mas isso depois foi reproduzido para o resto do país. A história que se conta, que eu conto no Retorno ao ventre, é a história que a gente conhece como a primeira marcha para o Oeste, a história da colonização das fronteiras do Oeste do Brasil.
Então, o Estado começou a colonizar esses espaços, onde o Brasil faz fronteira com a Argentina, com o Paraguai, com a Bolívia e subindo, a fim de, obviamente, segurar essas fronteiras ou expandir no limite do que era possível e, ao mesmo tempo, embranquecer a população. Esses dois objetivos eram claros: colocar a população ali, ou seja, ter um volume de população grande nas fronteiras ao Oeste para poder segurar qualquer avanço dos países aliados, dos países vizinhos; e, ao mesmo tempo, embranquecer essa população, que era uma população indígena. E daí descendem muitas frases, “tem muita terra para pouco índio”, por exemplo. É uma frase que se ouve até hoje. E não tinha pouco, tinha muito. Só que não eram pessoas brancas e descendentes de europeus que estavam ali. E eram povos que, para eles, pouco importava a fronteira nacional, na verdade.
O povo Guarani, por exemplo, está do lado leste e oeste do Rio Iguaçu. Não interessa. Se de um lado é Paraguai e do outro é Brasil, não interessa. Ou do outro é Argentina, também não interessa. E esse mesmo procedimento colonial vai acontecer. Eu até cito no livro uma hora que essa comitiva ia descer para Santa Catarina, porque o mesmo procedimento aconteceu em Santa Catarina, o mesmo procedimento aconteceu no Rio Grande do Sul e, posteriormente, pouquíssimos anos depois, isso começa a acontecer no Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, porque vai subindo. Então, esse é um procedimento colonial usado pelo Brasil até hoje.
E aí o livro faz essa ponte com o presente, com o passado recente, como você citou, da década de 1970, quando os povos indígenas do Sul começam as suas grandes retomadas. Essa retomada de Rio das Cobras e, posteriormente, de Nonuai. Elas marcam um ponto de virada no movimento indígena, porque é o momento que os indígenas retomam suas terras à bala, e expulsam muitas, 11 mil famílias, 3 mil famílias dependendo da região, dependendo do tamanho dessa terra, para retomar seus espaços históricos. E essas famílias que estavam ali eram famílias de colonos pobres, mas que estavam nas terras indígenas, porque essas terras foram doadas ou foram vendidas a preços muito baratos a esses colonos, justamente para que eles pudessem ali criar pequenas cidades, fazendas e tal, e segurar essa fronteira.
Então é um momento muito importante quando começam as grandes retomadas no sul do Brasil. E também tem um vínculo com o presente mais recente, que foi o governo Bolsonaro, que foi um governo absolutamente arisco às políticas indigenistas e que, mais do que arisco, foi um governo assassino, deixou a Covid se espalhar pelas aldeias indígenas, e a gente viu isso especialmente na terra indígena Yanomami, mas não foi só lá. Nos outros estados, em que os aldeamentos indígenas talvez sejam mais fáceis de você chegar, os estados conseguiram dar conta disso. Dar conta de conter um pouco a contaminação e instituir, estabelecer naqueles espaços políticas sanitárias comprometidas e eficientes. Mas na terra Yanomami é muito difícil de chegar, por exemplo, e o governo federal não fez nenhum esforço e as pessoas morreram. Esse é apenas um exemplo.
Fora a violência verbal do presidente da República, do ministro da Educação, enfim, dá um arrepio de lembrar desse governo, porque foi um governo de tendência fascista evidente. E os povos indígenas são os povos que mais sentem o fascismo. Lembrar da ditadura militar aqui: morreu muita gente, morreu muito mais indígenas, proporcionalmente.
E essas retomadas que eu cito, conduzidas pelo Ângelo Kretã, um grandíssimo líder indígena do sul, um kaingang, que também foi líder indígena de aldeias guaranis, foi o primeiro vereador indígena eleito no Brasil durante a ditadura militar, pelo MDB, e foi assassinado depois. Inclusive o Paraguai, que era o nome do seu braço direito, que assumiu o aldeiamento depois dele, também foi assassinado. Esse momento é muito importante, porque a década de 1970 é o momento que os povos indígenas meio que começam a se organizar, a se unir. Eles já estavam unidos, mas eles começam a se unir de forma mais organizada. E o Ângelo Kretã é muito importante para isso.
E eu acho que talvez o Retorno ao ventre possa contribuir, esteja nesse lugar de contribuição, nessa linha de frente, que é jogar a luz um pouco sobre as lutas dos povos indígenas que acontecem também no Sul. E eu posso colocar aqui o Sudeste também, talvez o Nordeste, que são regiões que são menos identificadas com os povos indígenas. Quando a gente pensa em luta indígena, a gente normalmente imagina ali o Xingu, ou a região Amazônica, ou a parte do Pantanal também, mas o Sul e o Sudeste são regiões densamente povoadas por povos indígenas. O Nordeste também. Porém, é uma região litorânea, a parte leste do país. Então foi a primeira região que foi dizimada, ou tentaram dizimar, pelo menos. E esses povos estão aí há muito tempo lutando.
Então, reivindicar essa luta como parte da identidade de um estado, como é o Paraná. Reivindicar as culturas kaingang, as culturas xetá, a cultura xocleng, como parte pulsante da cultura desses Estados, como parte da cultura de resistência desses Estados. Respeitar essas culturas, reverenciar essas culturas e essas populações e dar direitos, território, porque elas ainda estão lutando por essas terras. Esse é o primeiro passo para fazer esses estados mais fortes.
Tenho falado bastante sobre esse livro recentemente e costumo dizer que o Paraná tem um histórico de ser culturalmente desprezível em termos nacionais. A gente não produz nada de muito forte culturalmente, de muito pulsante culturalmente. Com raríssimas exceções, como foi Paulo Leminski, como é Alice Ruiz ou Dalton Trevisan, por exemplo, na literatura, ou Poty, nas artes visuais. Mas são momentos luminosos raros. Culturalmente falando, coletivamente falando, o Paraná é um Estado desprezível. E isso só vai mudar quando o Paraná olhar para as suas raízes. Esquecer um pouco das raízes europeias — não estou dizendo para desprezá-las, mas colocar elas na sua proporção de vida e dar às demais populações também a sua importância de vida.
A população preta, que é muito grande no Paraná, as populações ribeirinhas, as populações caboclas e, finalmente, as populações indígenas. Se isso não acontecer com o Paraná, Santa Catarina, não diria muito Rio Grande do Sul, porque tem uma cultura forte, mas esses dois Estados vão continuar sendo culturalmente desprezíveis.
E para fechar, Jr., voltando um pouco à poesia, a gente tem uma coisa muito lírica, muito pessoal, muito íntima, ligada àqueles grandes nomes da poesia brasileira no século XX. A gente tem também hoje uma coisa muito de uma perspectiva autobiográfica, um caminho do sensível, de uma contribuição própria em relação às coisas do mundo. Mas a gente tem também um histórico de livros, de poemas mais narrativos, sejam eles mais ficcionais ou mais documentais e históricos. Enfim, onde que você vê teu livro nessa estante da poesia brasileira e no que diz respeito a essa forma de contar? A gente tem hoje bastante gente escrevendo dessa forma, essa história contada numa linguagem poética que a gente poderia relacionar a retorno ao ventre?
O cenário poético brasileiro atual é muito rico e muito diverso. Tem vozes falando de muitos lugares diferentes e com propostas formais muito diferentes também. Você citou aí talvez as mais eloquentes e as mais frequentes. A gente tem, cara, historicamente, por exemplo, vou citar talvez o nome mais conhecido, que é o João Cabral. O João Cabral era um cara que fazia poesias de diversas formas, poesias mais líricas, testava formas, etc., mas o livro mais conhecido dele é um livro narrativo, que é o Morte e Vida Severina. É um auto de Natal, um livro narrativo, que ele nem gostava tanto, na verdade, mas foi o livro mais celebrado dele.
Recentemente, nos últimos anos, a gente tem uma vencedora do Jabuti, com quem eu já tive prazer de dividir mesa em festival de literatura e que eu posso considerar minha amiga, e que eu realmente amo a poesia dela e que ela faz uma poesia histórica e narrativa impressionante, e que é uma das minhas inspirações, certamente, que é a Cida Pedrosa, vereadora pelo Partido Comunista lá em Recife, uma poeta pernambucana excelente, que foi muito importante para mim. Eu li e foi impactante.
O livro dela, que, se eu não me engano, venceu a APCA, o Araras Vermelhas, esse livro foi muito, muito importante para a composição do Retorno ao ventre. Formalmente, foi uma inspiração. Mas, fora a Cida, eu acho que tem pouca gente que faz uma poesia narrativa, histórica, como é a que eu propus no Retorno ao ventre. Não é um campo muito recorrente dentro da poesia contemporânea.
A gente tem tentativas e exercícios poéticos narrativos muito, muito densos. Recentemente saiu um livro que venceu a APCA desse ano, inclusive, agora é finalista do Jabuti, e esse livro também é semifinalista do Oceanos, que é o Asma, da Adelaide Ivanova. Um livro incrível, um livro lindo, maravilhoso mesmo, que é um livro de poesia narrativa, com uma temática feminista muito forte. Também é um livro de poesia narrativa histórica, que vai buscar ali elementos de resistência e alguns conflitos históricos em que o livro vai se desenrolar. Tem uma perspectiva diferente, porque não lida com um trabalho com documentação histórica, tem um caráter menos antropológico, digamos, mas também está falando de poesia histórica e narrativa. Então tem algumas coisas que são poucas, por exemplo, esses dois livros. Coincidentemente, duas poetas pernambucanas, Adelaide e Cida, mas que, apesar de ser pouca coisa, eu acho que o Retorno ao ventre, o Asma e o Araras Vermelhas compõem aí, se não uma cena, pelo menos uma brecha, uma fissura aí muito, muito poderosa.