“As corporações são personagens centrais nessa história”, adverte Nicholas Freudenberg. O autor inicia A que custo? perguntando-se por que tanta gente ainda tem receio de apontar o capitalismo como o maior problema da humanidade no século XXI. Recorrendo a uma profusão de dados, estatísticas e informações sobre a degradação da qualidade de vida das pessoas e do meio ambiente nas últimas décadas, ele coloca as grandes empresas no cerne da discussão: “Nenhum outro tipo de organização acumulou tanta tecnologia, capital e poder político. Nenhum tem a capacidade de penetrar em tantos aspectos da vida cotidiana de tantas pessoas. Nenhum tem o alcance global ou a capacidade de agir com tão poucas restrições estruturais”.
Ao longo do livro, Freudenberg se vale da experiência na formulação e na avaliação de políticas públicas para traçar uma espécie de inventário dos problemas criados por corporações das mais diferentes áreas. Não por acaso: sua intenção é demonstrar que as grandes mazelas da vida contemporânea não são fatos isolados e que as forças econômicas subjacentes a cada uma delas são basicamente as mesmas. “A globalização controlada pelas empresas, a financeirização, a desregulamentação, a concentração monopolista e a captura corporativa de novas tecnologias, características que definem o capitalismo atual, são causas fundamentais de múltiplas e crescentes ameaças ao bem-estar”, explica.
O pesquisador traça um histórico de como o setor privado foi ganhando força nos últimos cinquenta anos, ao passo que o Estado foi subordinado aos interesses corporativos e a sociedade perdeu o controle sobre as estruturas que tradicionalmente faziam um contrapeso ao poder do capital. Ao mesmo tempo, ele mostra como a estratégia de responsabilizar os indivíduos pelos problemas de saúde que enfrentam é cruel e funcional para a engrenagem econômica que concentra renda e cria obscenas desigualdades.
A que custo? é um admirável, inédito e acessível esforço analítico para sistematizar a complexidade que encontram pela frente militantes e organizações que se dedicam a lutar contra o sistema, seja com a intenção de reformá-lo ou destruí-lo. Ao demonstrar a profundidade do buraco em que estamos, Freudenberg mergulha por áreas totalmente diversas: dos alimentos ultraprocessados às corporações educacionais; dos laboratórios farmacêuticos ao comércio on-line; da indústria automobilística à precarização do trabalho — todas elas perpassadas pelos monopólios da tecnologia. Assim, reforça o ponto fundamental de sua análise: precisamos repensar nossa atuação enquanto sociedade.
Sem se valer de uma leitura fatalista nem de fórmulas do passado, Freudenberg apresenta as tendências do capitalismo paralelamente aos esforços de velhos e novos movimentos sociais para freá-lo. Segundo o autor, não há dúvida de que, diante dos problemas cada vez mais presentes em nosso cotidiano, a única saída é criar uma alternativa que supere o sistema. Assim, A que custo? contribui para ampliar o debate público sobre as estratégias de que precisamos para a construção de um mundo em que a saúde, a justiça, a sustentabilidade, a ética, a equidade e os direitos humanos pautem as políticas públicas e garantam o bem-estar de todes.