Por Leonardo Sakamoto
Publicado no UOL
O Ministério Público Eleitoral deu parecer de que não viu infração de Lula por ter chamado Bolsonaro de “genocida”. Alegou liberdade de expressão. A depender do que decida o Tribunal Penal Internacional e o Tribunal Permanente dos Povos, onde há ações contra o presidente por genocídio, o MPE também poderá alegar que Lula estava apenas relatando uma notícia.
A questão é que criminalizar a avaliação de Bolsonaro como genocida é proibir que os brasileiros denunciem a necropolítica de seu presidente, garantindo, através da imposição do silêncio, que ele continue sendo tratado como se nada tivesse feito. E, dessa forma, decidindo quem vive e quem morre.
Aguardar esse tipo de definição de instâncias formais de Justiça é jogar o jogo dos genocidas e dos torturadores, que se aproveitam de sistemas que, quando não são coniventes, são preparados para que esses crimes sejam praticados impunimente.
Ora, não podíamos chamar o carniceiro e assassino covarde Carlos Alberto Brilhante Ustra de torturador porque não havia uma condenação formal? É o que os fãs dos torturadores querem.
A sociedade civil, a imprensa e a oposição política não têm apenas o direito, mas o dever de chamar as coisas por seu nome em nome daqueles que morreram e não podem mais fazer isso.
Não é incitação contra o presidente, mas simplesmente apontar o que o conjunto de evidências mostram. E pelas denúncias feitas ao Tribunal Penal Internacional e ao Tribunal Permanente dos Povos, há elementos de sobra para tanto.
Será que parte da Justiça que fica horrorizada de chamar Ustra de torturador ou Bolsonaro de genocida teve o mesmo comportamento quando o governo federal brigou no STF para não implementar medidas a fim de proteger a vida de povos indígenas durante a pandemia e quando agiu deliberadamente para garantir que garimpeiros, madeireiros e grileiros de terra fossem livres para levar doença e morte aos territórios de populações tradicionais?
Bolsonaro parece ter feito um cálculo mórbido: os mortos pelo coronavírus e suas ameaças contra a democracia causariam um dano menor para suas intenções eleitorais do que a fome e a inflação. Sim, ao que tudo indica, o presidente prefere ser chamado de genocida e de golpista do que de Bolsocaro.
Para ele, os mais de 680 mil mortos (ou 0,32% da população) ainda são um número menos preocupante do a inflação de dois dígitos, que o afasta dos eleitores que ganham até dois salários mínimos.
Mas essa preferência também se deve ao fato dele saber que será protegido por parte do sistema, que evita responsabilizá-lo por uma parte dessas mortes, concordando com o seu discurso de que ele nada poderia ter feito. Mentira. Até um cone de trânsito, daqueles laranjas com listras brancas, se colocado na cadeira do principal gabinete do Palácio do Planalto teria causado menos mal. Porque é da natureza dos cones não fazer nada, enquanto Bolsonaro agiu deliberadamente contra a vida humana.
Que tenhamos coragem de permitir que as coisas sejam chamadas pelo que elas são para que possamos continuar dizendo que este país é uma democracia.