Passados apenas alguns dias dos massacres ocorridos em presídios Brasil afora, sobretudo no Norte e Nordeste, voltamos a tapar os olhos para o que acontece atrás das grades. Pouco importa que tenhamos uma população carcerária crescente, em péssimas condições de vida, com pessoas muitas vezes presas sem acusação formal. Após algumas declarações oficiais, é melhor continuar a fingir que nada disso existe. Até que, de novo, daqui um tempo, sem que tenhamos feito nada para impedir, o tema novamente venha à tona.
“A cadeia é um lugar que me faz pensar muito sobre as possibilidades dos homens”, diz Natalia Timerman, autora do livro Desterros: histórias de um hospital-prisão, que será lançado pela Editora Elefante no próximo dia 14 de fevereiro, em São Paulo. Em entrevista à apresentadora Marilu Cabañas, na Rádio Brasil Atual, a autora falou sobre os principais pontos de seu trabalho, escrito ao longo da vivência de cinco anos como psiquiatra no Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário de São Paulo.
“Se esse livro tem alguma importância, talvez seja a de dizer para as pessoas que aquilo que acontece atrás das grades diz respeito a todo mundo. São pessoas que estão vivendo tudo aquilo. Não dá para deixar os presos lá dentro e acabou”, lamenta. “Tem esse estigma de que todo mundo que está preso é bandido, psicopata. E não é assim. São pessoas que têm histórias para contar. Se a prisão faz alguma coisa para elas, é torná-las piores do que eram.”
Nas páginas de Desterros, Natalia lança seu olhar atento e sensível a quem está do lado de dentro, mas também para dentro de si — e para dentro de nós. Sim, é preciso incomodar-se com a leitura de Desterros. A história central é emblemática por si, e ganha ainda mais força diante das reflexões provocadas pelas tragédias recentes.
Donamingo, uma angolana presa em São Paulo por atuar uma vez no transporte de drogas, é uma desterrada. A filha e o marido ficam do outro lado do Atlântico, enquanto por aqui ela vai descobrindo as agruras de viver na cadeia sem ter nada a oferecer em troca de comida, roupas, algum conforto. É uma típica personagem do sistema prisional brasileiro.
Ao longo do livro, nascido do mestrado em Psicologia Clínica na USP, Natalia costura outras histórias, sempre abraçadas ao absurdo, ao surreal que insiste em ser realidade. E oferece suas reflexões sobre o horror e o belo de trabalhar na cadeia, sobre o nascer e o morrer de ideias pré-concebidas, sobre a inutilidade de se manter alguém preso e a dificuldade em encontrar o que se considera por justiça.