Um dos pontos altos de nossa passagem por Porto Velho foi o breve — porém intenso — encontro que tivemos na manhã de segunda-feira, 21 de setembro, com o bispo emérito de Ji-Paraná, Dom Antonio Possamai, de 86 anos, reconhecido defensor dos direitos humanos e apoiador dos trabalhadores na luta pela terra na região central de Rondônia.
Dom Antonio nos recebeu com carinho e interesse numa arejada residência no centro da capital, onde vive desde que se aposentou como líder da igreja ji-paranaense. Em agradecimento pela prosa, o autor de Corumbiara, caso enterrado, João Peres, presenteou o religioso com um exemplar do livro-reportagem que conta a história e os desdobramentos do conflito que deixou ao menos doze mortes no sul do estado em 1995.
É um tema que Dom Antonio conhece desde seus antecedentes. “Quando vim pra Rondônia, predominava a floresta. Chegavam caminhões carregados de migrantes. O Incra prometia muito, mas cumpria pouco. O povo teve necessidade de se organizar, mas o latifúndio avançou. Virou tudo pasto e o gado se instalou.”
À frente da diocese de Ji-Paraná entre 1983 e 2007, Dom Antonio se lembra claramente de quando as tensões sociais que predominavam no campo rondoniense desembocaram nas mortes de Corumbiara. “Condenamos o massacre dentro e fora da Igreja. Houve comunhão e apoio em toda a comunidade”, relatou. “Muita gente se dirigiu até lá para prestar sua solidariedade às vítimas.”
O bispo lamentou, porém, a lentidão do Estado em prestar assistência aos sobreviventes. “Até hoje o povo está na pior. Muitos dos que foram assentados em Theobroma, que faz parte da diocese de Ji-Paraná, precisavam de tratamento psicológico.”
Vinte anos depois do ocorrido, Dom Antonio analisa que a realidade rural rondoniense continua violenta. Para além dos números da Comissão Pastoral da Terra, que colocam Rondônia entre os estados com mais mortes no campo, atrás apenas do Pará, o religioso não nutre ilusões.
“Essa violência toda não parou e não vai parar, porque o povo não se conforma com tanta injustiça na distribuição de terras e os fazendeiros estão prontos para o conflito, com seus pistoleiros”, pontua. “O capital brasileiro é selvagem — e conta com a proteção do poder político. À medida que o povo cria a consciência de que tem direito à vida e à terra, passa a não aceitar que alguns poucos tenham tanta terra enquanto tantas pessoas não têm nada.”
Parte da responsabilidade pelo fortalecimento dos movimentos camponeses em Rondônia se deve ao trabalho pastoral de Dom Antonio, que desembarcou em Ji-Paraná depois de servir em Santa Catarina e no Recife. “Não tínhamos nenhuma orientação prévia da Igreja. Fomos aprendendo com o povo, cujo sofrimento nos fez criativos. Passamos a apoiar suas reivindicações”, recordou. “Não adianta ter fé se você não combate a injustiça e a violência, se você não se posiciona a favor da luta dos sem-terra.”