Capital fóssil: criamos, e nos cabe resolver, o colapso climático

A Elefante está lançando Capital fóssil, de Andreas Malm, que viaja às origens do aquecimento global a partir da ascensão do motor a carvão no século XIX. Neste artigo, publicado primeiro no jornal sueco Dagens Nyheter e depois no Ecologist, Irma Allen, especialista em humanidades ambientais, trata dos argumentos de Malm e do dilema que está colocado para a humanidade: frear o caminho perverso do crescimento econômico a qualquer custo com o objetivo de reduzir as emissões e salvar o clima. 


Por Irma Allen
Publicado em The Ecologist

Se o aquecimento global é o “subproduto não intencional por excelência”, como afirma a abertura do novo e poderoso livro Capital fóssil, de Andreas Malm, de que ele é um subproduto? A resposta óbvia é: da queima de combustíveis fósseis. Mas por que os queimamos e como surgiu a dependência dessas substâncias?

Compreender o surgimento da “economia fóssil” — na qual a expansão econômica e o consumo de combustíveis fósseis se unem, resultando em uma quantidade crescente de CO2 na atmosfera exige um retorno à história “com os olhos bem abertos”. Daí a pergunta feita pelo livro: como fomos parar nessa confusão?

De acordo com sua tese, a mudança da indústria britânica de rodas d’água para máquinas a vapor movidas a carvão no século XIX é o ponto de virada fundamental para firmar a crise climática. Entender por que isso ocorreu leva às “raízes do aquecimento global”, já que revela os interesses dos negócios até hoje.

O canário na mina de carvão* alerta para um perigo invisível – o ponto de atenção trazido por Malm é que uma falsa compreensão da história das mudanças climáticas está levando a diagnósticos falhos e, portanto, a soluções ineficazes. 

Duas teorias principais

Malm constrói sua argumentação gradualmente, como um investigador dos fatos, aplicando a crítica marxista à sabedoria popular. Ao fazê-lo, ele desmantela de forma persuasiva duas teorias, ou “enredos”, como ele as chama de forma reveladora, que atualmente dominam a avaliação pública da economia dos combustíveis fósseis.

O primeiro é o “paradigma Ricardo-Malthusiano”. Segundo essa narrativa, o vapor surgiu como resposta à escassez de boas fontes para saciar a sede da expansão industrial contínua das fábricas de algodão britânicas. Atores racionais, segundo essa linha de pensamento, enxergaram imediatamente a lógica e a competitividade econômica da máquina a vapor, que se instalaria como uma nova tecnologia em benefício da sociedade.

Uma piromania humana intrínseca – uma certa paixão pelo fogo – talvez tenha estimulado ainda mais nossa dependência de fósseis. Malm, no entanto, constata que a transição da água para o vapor, na verdade, “assumiu a forma de uma disputa prolongada” sem um vencedor claro ao longo de várias décadas. Ao contrário da crença generalizada, a patente da máquina a vapor por James Watt em 1784 não foi um início inevitável da Revolução Industrial.

Os primeiros testes com máquinas a vapor na indústria terminaram mal, e a maioria dos proprietários de moinhos perdeu o interesse anos após sua invenção. Isso porque a água era gratuita e abundante, enquanto o carvão era caro e as máquinas a vapor apresentavam frequentes problemas técnicos. Podiam até explodir. Além disso, a energia hidráulica era frequentemente mais eficiente do que a do vapor.

Tudo isso contradiz o pensamento econômico clássico. O que, então, forçou o salto?

Em resposta a isso, Malm critica uma segunda ideia, cada vez mais dominante: a “narrativa do Antropoceno”. Essa sustenta que a humanidade, como categoria unificada, tornou-se um agente geológico de mudança ambiental, inaugurando uma nova era onde agora devemos simplesmente administrar, adaptar ou até mesmo aproveitar ao máximo, como insistem alguns “ecomodernistas”.

O campo do antropoceno culpa a espécie humana como um todo pelo aquecimento global. No entanto, Malm demonstra que a desigualdade e as diferentes responsabilidades são centrais em sua história. E é hora de confrontar isso.

E agora?

As lições do livro sobre como consideramos o discurso atual em torno da difusão de tecnologias de energia renovável são impressionantes. Como apontado, ouvimos frequentemente que as energias renováveis ​​não são competitivas o suficiente – que o mercado deve decidir. No entanto, se a teoria do capital fóssil estiver correta, não é assim que a mudança tecnológica ocorre.

A tecnologia serve a propósitos sociais. Para forçar a transição, precisamos desafiar as estruturas de poder que impedem essa mudança. Malm conclui o livro com uma análise de como uma economia renovável só se concretizará se for planejada e implementada contra interesses privados cujos investimentos estão direcionados ao capital fóssil.

Da mesma forma, para atingir as metas de redução de emissões, precisaríamos de uma recessão econômica planejada“, equivalente a uma guerra ao capital . Não se trata de esperar pelo socialismo, mas de uma proposta pragmática, embora desconfortável, para resolver a nossa atual confusão.

Voltando a uma impressão conhecida, Malm admite que “tornou-se mais fácil imaginar uma intervenção em larga escala no sistema climático” — com a qual ele se refere às tentativas usuais de geoengenharia — “do que no capitalismo”.

Resolver esse paradoxo seria um milagre, diz ele — mas os humanos são os únicos capazes de evocá-lo. Com os olhos bem abertos, é melhor começarmos.

*Canário na mina de carvão acabou se tornando uma expressão que significa um sinal de alerta, um perigo iminente. Ela surge exatamente do uso de pássaros em estações de trabalho para diagnosticar o alto nível de emissões poluentes e gases prejudiciais à saúde. Como os animais têm maior sensibilidade a esses elementos tóxicos, eram utilizados como uma espécie de monitor em tempo real: os operários sabiam dos riscos caso um canário se mostrasse frágil ou até desmaiasse nesses ambientes.

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