
Como a Palestina se tornou a maior prisão do mundo
Por Ilan Pappe
A Elefante está lançando A maior prisão do mundo, segundo título de Ilan Pappe no catálogo (e em pré-venda com desconto no nosso site), depois de Brevíssima história do conflito Israel-Palestina. Agora, trata-se de um olhar sobre como aconteceu a ocupação de Israel nos territórios palestinos, desde o planejamento sionista até esse regime de morte que observamos diariamente na região. Segue abaixo um trecho da introdução escrita pelo autor.
O paradigma que este livro oferece requer dicionário e vocabulário novos. Isso fica particularmente evidente no modo como eu abordo os esforços diplomáticos que escolhi para mostrar parte da tentativa israelense de solidificar o modelo de prisão a céu aberto, e em como rejeito, assim, a noção corrente de que houve um esforço genuíno de buscar reconciliação e entendimento com o povo palestino.
Da perspectiva da megaprisão, os debates internos israelenses sobre os territórios são uma narrativa de fraude e ilusão. As decisões primordiais e estratégicas de Israel nas áreas ocupadas foram tomadas logo após a guerra de 1967, de modo que a maioria das discussões políticas que supostamente se seguiram entre um “campo da paz” e um “campo da guerra” são, na melhor das hipóteses, irrelevantes, ou, na pior, desonestas. Se essa avaliação estiver correta, então o processo de paz que se desenvolveu inteiramente em torno desse “debate” estava fadado ao fracasso desde o início.
O livro termina, como uma narrativa histórica, com a reimposição da segunda prisão de segurança máxima na Cisjordânia e na Faixa de Gaza neste século XXI. Alguns observadores acreditam que uma nova versão de prisão a céu aberto voltou a ser oferecida em 2006, mas apenas para a Cisjordânia, enquanto a Faixa de Gaza, naquele mesmo ano, se tornou uma versão ainda mais extrema de prisão de segurança máxima. Essas duas hipóteses são examinadas no final do livro.
Esta não é uma história completa ou exaustiva da Cisjordânia e da Faixa de Gaza desde 1967 (por mais que ainda nos falte uma obra assim). O livro se concentra em alguns momentos cruciais — hoje bastante familiares — dessa história, mas, diferentemente da narrativa usual desses eventos, eles são examinados aqui enquanto adaptações do modelo de megaprisão pelos burocratas conforme as circunstâncias. Aparentemente, nada do que ocorreu desde junho de 1967 até hoje diminuiu a determinação das autoridades israelenses de conservar a Cisjordânia e a Faixa de Gaza sob estrito controle de Israel, de encarcerar as pessoas que vivem ali em uma imensa prisão e desconsiderar qualquer pressão internacional para encerrar essa política criminosa. O modelo é falho, pois, ao mesmo tempo que encarcera palestinos, as autoridades de controle não se importam se eles saem e não voltam mais para a prisão. Mas, para quem está determinado ou não quer ser mais um dos milhões de refugiados sem teto no Oriente Médio no século XXI, a única opção é a megaprisão.
Além disso, esta é mais uma história dos ocupantes do quedos ocupados, no sentido de tentar explicar o mecanismo criado para a dominação de milhões de palestinos, e menos de retraçar suas vidas. Os palestinos aparecem no livro, mas esta é mais uma narrativa de sua opressão do que uma narrativa de suas aspirações, de seu tecido social, de sua produção cultural e de outros aspectos da vida tão merecedores de uma história que espero que venha a ser escrita um dia. Sua resistência e determinação merecem ser registradas e enfatizadas para as futuras gerações.
Este livro deve ser interpretado através do prisma particular da megaprisão, o que significa que assuntos e temas comuns são tratados em um contexto diferente daquele analisado em algumas das melhores obras a respeito da ocupação. Assim, por exemplo, os colonos judeus e os assentamentos são considerados aqui mais como uma forma de confinar o espaço para a vida palestina e de reduzir o número de palestinos nos territórios, e menos como resposta a um desejo ideológico sionista de se expandir para o resto da Palestina.
Considero apenas brevemente o aspecto econômico, apesar de seu papel-chave nessa história. A economia aparece aqui como um conjunto de considerações a respeito dos formuladores das políticas, tanto no momento em que o modelo de prisão a céu aberto foi testado quanto na ocasião da imposição do modelo de prisão de segurança máxima. Nesse contexto, também incluo o uso israelense de financiamentos vindos dos Estados Unidos e do Ocidente de modo geral, sem os quais Israel não conseguiria sustentar esse controle. De maneira ainda mais perniciosa, burocratas experientes perceberam os fundos internacionais que fluíam para os territórios, vindos de governos preocupados e sociedades civis, como recursos vitais para manter baixos os custos israelenses de cuidar dos “residentes” (como as pessoas na Cisjordânia e na Faixa de Gaza são chamadas pelo Estado judaico).
Também não há nenhum capítulo à parte sobre a Autoridade Palestina (AP), um tema exaustivamente tratado em alguns livros recentes. Ela é apresentada aqui tal como foi percebida pelos formuladores de políticas e burocratas israelenses ao longo dos anos. Para eles, a AP foi um componente integral e decisivo no modelo de prisão a céu aberto proposto nos anos 1990, e que a pragmática elite de Israel ainda espera instalar na Cisjordânia, ao menos em um futuro próximo.
Da primeira à última página, este livro descreve uma movimentação histórica que, de muitas formas, começou no século XIX, continuou em 1948, e se encontra agora em seu terceiro estágio, iniciado em 1967. O tempo dirá se este é o último estágio. A resistência palestina e o amplo apoio das sociedades civis mundiais até agora impediram que fosse. Este é um registro sobre a empreitada sionista e israelense até os dias atuais, com um foco particular na fase que começou com as reuniões do governo de 1967.