Como bell hooks conquistou corações no Brasil com obra afetiva e intelectual
Por Victoria Damasceno
Publicado em Folha de S. Paulo
Até o lançamento de “Tudo sobre o Amor”, bell hooks era uma autora pouco conhecida no Brasil. Sua obra circulava mais entre acadêmicos e pessoas interessadas em discursos de raça, gênero e crítica cultural.
A chegada ao país de uma de suas obras mais populares, porém, mudou a recepção da intelectual, que fazia questão de escrever seu nome em letras minúsculas. Sua editora, a Elefante, e especialistas em literatura avaliam que esta foi a responsável por fazer hooks cair nas graças dos brasileiros —embora ainda não possa ser chamada de uma autora popular.
O aumento da procura e o sucesso da obra, segundo pesquisadores, se dá devido à popularização de questões raciais e de gênero.
Foi no meio da pandemia, em 2021, que “Tudo sobre o Amor” chegou às livrarias. Hoje, é o título de maior sucesso do catálogo da editora e de livrarias como a Megafauna, onde ficou no topo das vendas em 2022 e 2023. Na Travessa, o livro ficou em sexto lugar entre os mais vendidos no ano passado.
A morte de hooks, em dezembro daquele mesmo 2021, impulsionou a busca pela obra. A partir dali, há aumento gradual da procura por ela em plataformas como o Google, uma tendência que perdura.
Agora, a continuação da trilogia de hooks sobre o amor chega ao Brasil pela mesma editora, em um lançamento duplo –Comunhão: A Busca das Mulheres pelo Amor e Salvação: Pessoas Negras e o Amor.
Enquanto na primeira obra hooks explora o sentimento como ator político e social, nos novos livros, mulheres e pessoas negras são o principal recorte, sem deixar de enxergar o amor como uma força política transformadora.
A autora se tornou um dos principais nomes do catálogo da Elefante, que já lançou 13 de suas obras desde 2019, quando trouxe ao Brasil edições de ” Olhares negros”, “Erguer a Voz” e “Anseios”.
Tadeu Breda, um dos editores da trilogia, afirma que “bell hooks está sendo muito lida no Brasil, e será ainda mais” pois a autora lida com grandes questões sociais e angústias da vida contemporânea, além de não ter medo de falar de assuntos que não são pacificados no país, como racismo, machismo e educação.
“Ela o faz de maneira incisiva, demarcando muito claramente sua posição antirracista, feminista, anti-imperialista e de anticapitalista, mas sempre com muito apreço pelo diálogo e respeito por quem pensa de maneira diferente”, diz ele.
Em “Salvação”, o segundo livro da trilogia, a autora fala da relação de negros com o amor, mostrando como vivem o sentimento em contextos em que o racismo impera e como há maneiras de resgatar a vida amorosa.
“Não é tarde demais para as pessoas negras retornarem ao amor, para colocarem de novo as questões metafísicas comumente levantadas por artistas e pensadores negros e negras durante o auge das lutas por liberdade —questões sobre a relação entre a desumanização e nossa capacidade de amar, sobre o racismo internalizado e o auto-ódio”, escreve.
O retorno ao sentimento está também em “Comunhão”, quando a autora fala sobre a incerteza das mulheres em saber se são dignas de amor. Abordando uma perspectiva de gênero, hooks navega por temas como o afeto na meia-idade e a dificuldade de ter autoestima em um contexto repressivo.
A autora mostra também como o movimento feminista transformou as perspectivas do sentimento. “A condição de mulher na cultura patriarcal nos marca, desde o princípio, como seres sem valor ou com menor valor e, portanto, não surpreende que, como meninas, como mulheres, aprendemos a nos preocupar, sobretudo, em saber se somos dignas de amor”, diz no livro.
Para o antropólogo e poeta Alex Ratts, professor da Universidade Federal de Goiás, a ampliação do debate em torno de questões raciais e de gênero fez com que a autora ganhasse mais leitores. “É uma leitura interessada”, diz.
Foi esse fenômeno que ajudou hooks a sair das salas das universidade , dos diálogos entre intelectuais e ativistas, para atingir um público mais amplo, na avaliação do professor.
“A escrita de bell hooks, que combina relato e crítica, fez a diferença no contexto brasileiro, marcado por imbricações e assimetrias de raça, gênero e classe, em um país de passado colonial e escravista, de presente racista e sexista, à semelhança dos Estados Unidos, e com visibilidade predominante de autorias brancas”, afirma.
Além da trilogia sobre o amor, hooks também é conhecida por sua crítica cultural, com reflexões sobre educação e teoria feminista negra, além de atuar como ativista. Em suas obras, ela discutiu também questões como justiça, masculinidade, comunidade e cura.
Ela fez parte de um movimento de autoras negras que ganharam os Estados Unidos nas décadas de 1970 e 1980, ecoando as lutas libertárias do movimento dos direitos civis. Ganhou notoriedade ao lado de nomes como Angela Davis, Toni Morrison e Alice Walker, que, assim como hooks, se tornaram referência na literatura que aborda questões raciais e de gênero.
Uma de suas obras pioneiras, “Ain’t I a Woman: Black Women and Feminism?”, de 1981, chegou ao Brasil pela editora Rosa dos Tempos sob o título de “E Eu Não Sou uma Mulher: Mulheres Negras e Feminismo?” em 2019, quase 40 anos depois da publicação original.
Para a poeta Nina Rizzi, que escreveu o prefácio da edição brasileira de “Salvação”, a avaliação de que a autora se tornou mais conhecida no país com o avanço dos movimentos negro e feminista é correta, mas eles influenciaram pessoas “de todas as as raças” a lerem “Tudo sobre o Amor”.
“Diante das pressões dos movimentos negros e de gênero, da popularização do debate nas redes sociais, a demanda por textos escritos por pessoas negras também aumentou”, diz ela. “E as editoras também se abriram.”
Lívia Natália, poeta e professora de teoria de literatura na Universidade Federal da Bahia, afirma que bell hooks ainda não se tornou uma escritora popular, mesmo diante do sucesso de “Tudo sobre o Amor”.
Para a docente, que assinou o prefácio de “Comunhão”, sua obra ainda está entre os “doutos”, “entre as pessoas que tiveram ou têm algum acesso ao pensamento feminista”. Segundo ela, “hooks ainda não é viral, apesar da vitalidade de seu pensamento”.