Como lutar contra algoritmos: Zuckerberg e as políticas do encanto

 

Segundo Paolo Demuru, autor do nosso livro Políticas do encanto, para enfrentar a guinada à direita de corporações ligadas às redes sociais, mais do que nunca é preciso reaprender a fazer política fora das redes

 

 

Na última terça-feira, Mark Zuckerberg, CEO da Meta, anunciou que a empresa encerrará a sua política de checagem de fatos e moderação de conteúdo no Instagram, Facebook e WhatsApp – todas plataformas comandadas por ele. 

Segundo avaliação do professor de linguística e semiótica Paolo Demuru, trata-se de um largo e evidente aceno político a Donald Trump, com mudanças que favorecem a divulgação de notícias falsas e discursos de ódio. 

Do ponto de vista da semiótica, Demuru observa que se trata, em primeiro lugar, de um alinhamento de linguagem. “O discurso, os termos, o vocabulário, o léxico utilizado por Zuckerberg é o mesmo da extrema-direita contemporânea”, explica. “Ele fala que há um mecanismo de censura que precisa ser removido das plataformas da Meta, e que a Meta precisa voltar às suas origens para promover, mais uma vez, a liberdade de expressão”.

A liberdade de expressão, conforme Demuru nos lembra, é “um termo guarda-chuva muito utilizado pelo Elon Musk, pelo próprio Trump e por diversos outros líderes, movimentos e partidos da extrema-direita global, também pela família Bolsonaro, por Meloni na Itália, Marine Le Pen na França”. Para ele, observar estes alinhamentos de discurso é crucial para entender o que está em jogo. 

O autor chama ainda atenção para como estes atores políticos insistem neste termo [liberdade de expressão] que, depois de anos, continua se alimentando pelo próprio viés algorítmico, já que o algoritmo defende, promove e impulsiona um mesmo tipo de conteúdo. “É interessante observar como exemplo a forma como estes conteúdos começaram a girar em bolhas de pessoas que, por exemplo, estão preocupadas com o bem-estar, corpo, saúde; similar ao que aconteceu com o Pablo Marçal aqui”, aponta. 

“Como o Pablo Marçal fala muito de bem-estar físico, de saúde e qualidade de vida, por exemplo”, explica Demuru, “quando conteúdos extremistas ou conspiracionistas começam a circular em ambientes ou perfis que acompanham Marçal porque se interessam por estes assuntos, mas não necessariamente estariam interessados em conteúdos políticos, estes ambientes ou perfis vão aos poucos sendo politizados pela extrema-direita”, completa ele.

Outros estudos de caso acerca do fascínio e da politização que as teorias conspiracionistas da extrema direita exercem nas redes sociais estão presentes no livro Políticas do encanto, lançado pela Elefante em julho de 2024, e no qual o prof. Paolo Demuru propõe o arriscado desafio de pensar saídas para a esquerda brasileira que comecem por um uso diferente, mais sagaz, das plataformas digitais e deságuem em estratégias de reencantamento com ideais políticos realmente emancipatórios e concretos.

Com as novas diretrizes da Meta, ele considera que “vamos lutar contra um algoritmo que é muito mais difícil de se enfrentar”. Ele pondera que quando escreveu o livro, “tínhamos outro cenário pela frente”; a Meta ainda tinha “um mínimo de controle”; enquanto o X [antigo Twitter] já tinha abandonado este tipo de mecanismo de filtragem e “a gente viu o quão difícil se tornaria a situação”.

“Agora vamos viver um cenário parecido com a Meta, não sabemos ainda como vai se traduzir, mas vamos lutar contra inimigos que são realmente difíceis de serem derrotados dentro dali”, avalia o prof. Demuru. Nesse sentido, ele considera que o movimento de saída de jornais, perfis institucionais ou jornalistas de dentro do X é também importante de se observar.

“Por isso, a outra grande aposta do meu livro é de que a gente precisa procurar novas formas de produzir encantamento através da política fora do mundo digital”, defende. O autor acredita que para as lutas à esquerda ganharem “pulso e presença”, é preciso que elas existam para além do algoritmo, para evitar que “a timeline se torna a realidade”.

Ele atenta para o fato de que a mudança de diretrizes vale por enquanto apenas para a Meta nos EUA, e alerta que se “perdemos o pulso da realidade concreta, corremos o risco de perder a luta por pautas concretas, como, por exemplo, a regulamentação destas mesmas plataformas aqui no Brasil”.

Escrito pelo filósofo e livreiro independente americano Danny Caine, o livro Como resistir à Amazon e por quê, publicado pela Elefante em 2023, não trata diretamente das grandes corporações ligadas à comunicação, como é o caso da Meta e do X, mas da gigante comercial de Jeff Bezos. Nele, Caine se esmiúça as contravenções e violências intrínsecas ao funcionamento do maior site de vendas do planeta, e também formula propostas para a luta por economias locais, proteção de dados na internet, trabalho justo, e um futuro impulsionado por pessoas – ou seja, um futuro desenhado fora das dinâmicas algorítmicas.

Na introdução do livro, Caine escreve: “enquadrei este livro em torno da Amazon porque ela é a mais poderosa, eficaz e implacável praticante de um novo tipo de comércio, mas muitas outras estão tentando aprender com o manual da Amazon. Este novo comércio é mais do que uma empresa que vende muitos livros — é uma reavaliação fundamental de como encaramos os termos de privacidade. De como entendemos o papel de uma empresa na sociedade. Dos limites do poder de uma única empresa. Do nosso ambiente. Em alguns aspectos, do que significa ser humano”.

Se não esquecermos que as redes sociais e algoritmos são também produzidos por empresas – e no caso do Instagram, Facebook e Whatsapp, de uma única empresa, a Meta – a reflexão de Danny Caine em Como resistir à Amazon e por quê encontra a do professor Paolo Demuru: “cada vez mais é preciso se apropriar dos nossos corpos, das nossas ruas, das nossas lutas e pensar em novos mecanismos que conduzam nossos desejos para o que queremos como sociedade de forma mais concreta e explícita, essa necessidade vai ser cada vez mais central no campo que chamamos de progressista”, finaliza.

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