Comprar ou não comprar na Amazon: não é exatamente esta a questão. Claro que a grande maioria dos editores independentes (nós aqui, com certeza) e todos os pequenos livreiros, incluindo donos de sebos e caçadores de relíquias literárias, pedirão aos leitores que, por favor, não encomendem livros pela megacorporação varejista estadunidense.
Os motivos são muitos, a começar pela riqueza obscena de seu proprietário, Jeff Bezos. Neste momento, a revista Forbes diz que o homem mais rico do mundo detém um patrimônio de 148 bilhões de dólares. Da última vez que checamos os números, há duas ou três semanas, sua fortuna era de 144 bilhões. Quando falamos da grana acumulada por esse sujeito, parece que estamos sempre desatualizados, correndo atrás de cifras que, entre sutis variações negativas (uns milhõeszinhos a menos, às vezes), não param de crescer.
Daí a pergunta: por que dar mais dinheiro — e dados pessoais, que serão habilmente processados por sofisticados algoritmos para multiplicar esse dinheiro — a alguém que concentra tamanha renda e influência, enquanto a miséria persiste, os empregos minguam e a desigualdade cresce? Isso sem falar que seus próprios funcionários vivem protestando devido aos baixos salários e às más condições de trabalho a que são submetidos nos galpões da empresa, pressionados por um imperativo desumano de eficiência e rapidez.
Em Contra Amazon, porém, Jorge Carrión não se dedica à análise dos aspectos sociais ou econômicos desse empreendimento superpoderoso. O autor está interessado naquilo que a frieza computadorizada da Amazon despreza solenemente: a humanidade dos livros. Todo mundo que gosta de ler já se viu diante de uma oferta irresistível, ou de uma oportunidade imperdível, ou de uma praticidade irrecusável oferecida pela loja virtual de Jeff Bezos. O Kindle é tão fácil de usar, é leve, cabe na minha bolsa e me dá acesso a tantos livros!
Sim, é verdade. Por isso, ninguém está apontando o dedo pra você. A intenção desta obra é resgatar uma cultura livresca que vínhamos perdendo rapidamente, não só por culpa da Amazon, mas também dos conglomerados editoriais e das megastores nacionais que agora estão à beira da falência.
De uns anos pra cá, porém, ao que parece, essa cultura começou a ser reinventada no Brasil graças à proliferação de pequenas editoras e ao renascimento de livrarias de bairro onde as interações entre pessoas e livros, e entre as pessoas umas com as outras, são mais… humanas. Onde a compra — quando efetivada, e a gente agradece — é precedida por um café, uma conversa, um sorriso. Onde há palestras, oficinas, encontros. Onde as relações se pautam por identidade e engajamento espontâneos. Onde o livro ganha sentido para além da leitura — que, assim, deixa de ser um ato solitário.
Eis a razão pela qual, além dos ensaios de Jorge Carrión, esta edição de Contra Amazon traz textos de livreiros e livreiras do país, complementando a vivência livresca global do autor com relatos sobre o dia a dia de brasileiros e brasileiras que estão felizes, batalhando — e pagando as contas, apesar de todas as dificuldades — em pequenos estabelecimentos dedicados ao livro.
A despeito de trazer no título o nome dessa megacorporação tão danosa à existência de uma cadeia de valor editorial mais justa, Contra Amazon vai muito além dela: trata-se de um convite para pensarmos, a partir do universo dos livros, o mundo que estamos construindo com nossas leituras e nossos gestos cotidianos.