Crise climática e guerra na Palestina

 

Não é novidade que Israel tem travado um conflito sangrento na Palestina há mais de sete décadas. Mas, desde 7 de outubro de 2023, a sanha colonial israelense nos territórios ocupados atingiu a situação mais mortal desde o surgimento do Estado judeu, com franco apoio financeiro e midiático do Ocidente.

A emergência climática tampouco é novidade. Estamos muito cientes de que o planeta está mais quente e de que o colapso civilizacional resultante disso é iminente. Sabemos também que a causa é antrópica e que, para amenizar a catástrofe (visto que é tarde demais para evitá-la de todo), devemos modificar nosso modo de vida e de produção — sobretudo nossa matriz energética, ainda tão dependente dos combustíveis fósseis.

Essas duas constatações tenebrosas parecem não ter nenhuma conexão direta, com exceção das “fórmulas diplomáticas vazias” repisadas pelas inúmeras mesas de negociação do que chamávamos de “processo de paz” entre Israel e Palestina, em voga até 2005, e pelas inócuas cúpulas do clima da ONU. Mas esta é só a porção mais recente dos fatos.

Em A destruição da Palestina é a destruição do planeta, Andreas Malm volta a 1840, quando os primeiros navios a vapor da Coroa britânica, movidos pela queima de toneladas de carvão, reduziram a ruínas a cidade palestina de Akka e impuseram não só o livre comércio na região como também a dependência energética de combustíveis fósseis.

O autor recupera documentos oficiais que revelam as intenções de Londres: colonizar a Palestina, cujos “poderes produtivos” teriam sido “negligenciados por séculos”, repetindo ad nauseam a ideia de que aquelas eram paragens vazias e arruinadas. A justificativa era uma mixórdia de civilização do livre mercado, arabofobia, profecias bíblicas e sionismo cristão, que encontraria eco no sionismo estadunidense: “nossos navios a vapor” tinham a missão divina de assentar os judeus, “um povo sem terra”, na Palestina, “uma terra sem povo”.

Mais de um século antes do surgimento do Estado de Israel, o plano de destruir e colonizar a Palestina já estava traçado pelos ingleses. E foi concebido para expandir o mercado consumidor de uma Revolução Industrial que demandava cada vez mais energia e mais produtos. Assim, há pelo menos duzentos anos, ecocídio e genocídio encontram pontos de articulação no tempo e no espaço do Oriente Médio.

Malm ressalta ainda que não é somente em Gaza que vemos cadáveres espalhados pelas ruas, montanhas de concreto de estruturas desabadas e milhões de desabrigados: a cena se assemelha, fatalmente, aos efeitos do caos climático, como o que ocorreu em Derna, na Líbia, em setembro de 2023, após a passagem da tempestade Daniel, causada sobretudo pelo aquecimento das águas da costa do Norte da África.

“As vítimas em massa são assim uma consequência ideológica e mentalmente processada — e aceita de facto — da acumulação de capital”, insiste o autor. “É muito bom para os negócios da ExxonMobil ou da BP que os Estados Unidos e o Reino Unido tenham decidido que mortes desse tipo são apenas uma praxe. O genocídio do capitalismo tardio avançado reproduz munição para o paupericídio.”

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