Por Silvia Federici
Publicado na Introdução de Reencantando o mundo
Imagem: Harvesting Corn, de Elizabeth Downer Riker

 

Publicar um livro dedicado à política dos comuns pode parecer um sinal de ingenuidade, uma vez que estamos cercados de guerras, crises econômicas e ecológicas que devastam regiões inteiras, e de organizações supremacistas brancas, neonazistas e paramilitares em ascensão, que agora operam com impunidade quase completa em todas as partes do mundo. No entanto, a própria sensação de que estamos vivendo à beira de um vulcão torna ainda mais crucial reconhecer que, em meio a tanta destruição, outro mundo vem despontando, como grama nas fendas do asfalto urbano, desafiando a hegemonia do capital e do Estado, afirmando nossa interdependência e nossa capacidade de cooperação. Embora articuladas de modos diferentes— commoning, el común, comunalidad —, a linguagem e a política dos comuns são hoje a expressão desse mundo alternativo. Isso porque os comuns, em essência, representam o reconhecimento de que não vale a pena viver em um mundo hobbesiano, no qual uma pessoa compete com as demais e a prosperidade é conquistada à custa dos outros— receita infalível para o fracasso. Esse é o significado e a força de muitas lutas travadas por pessoas de todo o planeta para se opor à expansão das relações capitalistas, defender os comuns existentes e reconstruir o tecido de comunidades destruídas durante anos de ataque neoliberal aos meios mais básicos de nossa reprodução.

Sobre esse tema, uma vasta literatura foi produzida ao longo dos anos, à qual sou profundamente grata. Mas a principal inspiração para o meu trabalho sobre os comuns vem de minha experiência como professora na Nigéria, no início dos anos 1980, e de alguns movimentos sociais e organizações de mulheres com os quais me reuni depois, na América do Sul.

Ao longo dos três anos em que lecionei na Universidade de Port Harcourt, percebi que grande parte das terras em que pedalava para ir à escola ou ao mercado ainda era mantida pela comunidade, e aprendi ainda a reconhecer os sinais deixados pelo comunalismo na cultura, nos modos e nos hábitos das pessoas que conheci. Deixei de me surpreender, por exemplo, quando via uma aluna pegando comida do prato de uma amiga ao entrar em um mama-put ou buka;6 quando ia pedalando para as aulas e via mulheres cultivando na beira da estrada, se reapropriando de terras que lhes haviam sido tomadas para a construção do campus; ou quando os colegas balançavam a cabeça ao saber que minha única segurança era um salário e que eu não tinha uma vila para onde voltar, nenhuma comunidade para me apoiar em caso de dificuldades. O que aprendi na Nigéria teve um efeito grandioso em meu pensamento e em minha política. Como resultado, durante anos, a maior parte do meu trabalho político nos Estados Unidos foi dedicada a lutar ao lado de colegas da África contra o fim da educação gratuita na maior parte do continente — uma exigência do Fundo Monetário Internacional (FMI) prevista em seu “programa de ajuste estrutural” — e a fazer campanha pelo movimento antiglobalização.7 Foi ao longo desse processo que entrei em contato com a literatura sobre os comuns produzida por feministas como Vandana Shiva e Maria Mies. Na época do levante zapatista, enquanto eu escrevia sobre a luta das mulheres contra os cercamentos na Europa do século XVI, encontrei o trabalho de Shiva e Mies, que me abriu novos horizontes políticos. Na década de 1970, havia feito campanha por salários para o trabalho doméstico, que eu então via como a estratégia feminista mais adequada para acabar com o “dom” feminino do trabalho não remunerado e para iniciar um processo de reapropriação da riqueza produzida pelas mulheres por meio do trabalho. Ler o relato de Shiva sobre o movimento Chipko e sua descrição da floresta indiana como um sistema reprodutivo completo — fornecendo comida, remédios, abrigo e nutrição espiritual — expandiu minha visão do que poderia ser uma luta feminista pela reprodução.8 Nos últimos anos, o encontro com a luta de mulheres na América do Sul — indígena, campesina, villera [periférica] — me convenceu ainda mais de que a reapropriação da riqueza comum e a desacumulação de capital — os dois principais objetivos da campanha pela remuneração do trabalho doméstico — poderiam ser igualmente alcançadas, e de maneira mais poderosa, por meio da desprivatização da terra, da água e dos espaços urbanos e pela criação de formas de reprodução construídas com base na autogestão, no trabalho coletivo e na tomada de decisões também coletiva.

Essa visão, articulada no trabalho de algumas das mais importantes pesquisadoras feministas da América Latina, inspira muitos dos ensaios presentes neste volume. A Parte 1, no entanto, dedica-se a uma análise das novas formas de cercamento, que são a espinha dorsal da globalização do capital em nosso tempo e, de certa maneira, a motivação para o surgimento da política dos comuns. A literatura sobre esse assunto é agora imensa e cada vez mais numerosa. Incluem-se três ensaios publicados nos anos 1990 pelo Midnight Notes, um periódico de crítica radical com o qual colaborei entre 1980 e 2000. Esses textos rememoram o início de um processo que hoje tem alcance global e corre o risco de ser normalizado.9 Nesse contexto, é particularmente importante o artigo intitulado “Introdução aos novos cercamentos”, escrito coletivamente e uma das primeiras publicações, nos Estados Unidos, que interpreta a globalização como um processo de “acumulação primitiva”. Nele, refleti sobre a minha experiência de idas e vindas no trajeto Nigéria-Estados Unidos, observando nas ruas do Brooklyn [bairro de Nova York] os efeitos dos deslocamentos forçados na Nigéria, concretizados na figura de estudantes africanos trabalhando em lava-rápidos ou se virando com a venda de mercadorias nas ruas, em uma nova diáspora que adiciona milhões de pessoas ao mercado de trabalho mundial. A perspectiva teórica proposta em “Introdução aos novos cercamentos” é ampliada nos artigos sobre a “crise da dívida” na África e a transição para o capitalismo na China, os quais demonstram que, apesar das diferenças de contexto social, a destruição de regimes comunitários de terra continua a ser a espinha dorsal da atual fase do desenvolvimento capitalista, bem como a causa da onda de violência que afeta tantas regiões em todo o mundo — embora hoje a desapropriação também seja imposta pela generalização da dívida.

No entanto, esses artigos também documentam as intensas lutas travadas por pessoas na África e na China contra as múltiplas formas de desapropriação (de terras, territórios, meios de subsistência, conhecimentos e poder de decisão) às quais estão sujeitas. Na literatura esquerdista, tais lutas são, com frequência, descartadas como puramente defensivas. Mas essa visão está profundamente equivocada. É impossível, de fato, defender os direitos comunais existentes sem criar uma nova realidade, isto é, novas estratégias, novas alianças e novas formas de organização social. Uma mina é aberta, ameaçando o ar que as pessoas respiram e a água que bebem; perfurações são feitas em águas costeiras para extrair petróleo, envenenando o mar, as praias e as terras agrícolas; um bairro antigo é devastado para abrir espaço a um estádio — imediatamente, um novo perímetro é estabelecido. Reestruturam-se não só as comunidades como também as famílias, e muitas vezes em direções opostas, pois tais ameaças têm um efeito de conscientização, exigindo que todos tomem uma posição e definam seus princípios de comportamento social e ético.

Enquanto a Parte 1 reconstrói o contexto social em que a política dos comuns amadureceu, a Parte 2 olha para os comuns tanto como uma realidade já presente — sobretudo nas formas comunitárias de organização social já existentes — quanto através de uma perspectiva que antecipa, de maneira embrionária, um mundo para além do capitalismo e que instaura, no centro da mudança social, a questão da reprodução. De um ponto de vista feminista, uma das atrações exercidas pela ideia dos comuns é a possibilidade de superar o isolamento em que as atividades reprodutivas são realizadas e a separação entre as esferas privada e pública, que tanto têm contribuído para esconder e racionalizar a exploração das mulheres na família e no lar.

Não é um esforço totalmente novo. Nos Estados Unidos, na segunda metade do século XIX, como documentou Dolores Hayden (1985), uma variedade de “feministas materialistas” — socialistas utópicas (fourieristas, owenistas, saint-simonianas), bem como feministas reformistas — decidiu desprivatizar a casa e o trabalho doméstico, propondo a construção de edifícios com cozinhas coletivas e planos urbanos centrados na habitação cooperativa. No século XIX, esses experimentos eram relativamente limitados, realizados sobretudo por mulheres brancas de classe média — que, muitas vezes, não hesitavam em empregar outras mulheres para executá-los —, mas hoje o impulso de socializar a reprodução da vida vem dos estratos mais pobres do proletariado feminino mundial, motivado não pela ideologia, mas pela necessidade, com o objetivo de reorganizar as atividades reprodutivas em uma base coletiva e também de se reapropriar dos recursos materiais necessários para sua realização.

Como já mencionei, o que há de mais substancial em minha análise neste trabalho inspirou-se em movimentos de mulheres que se organizam sob a categoria de “feminismo popular” na América do Sul. Na América do Norte, porém, não faltam exemplos de uma comunalização da reprodução motivada pela necessidade de sobrevivência econômica e resistência à exploração capitalista. É exemplar o grande comum formado em Standing Rock em 2016, organizado principalmente por iniciativa de mulheres indígenas que se autodenominavam “protetoras da água”. Elas lideraram cozinhas, criaram escolas, organizaram a chegada de suprimentos e apoiaram, no auge da mobilização, mais de sete mil pessoas em condições ambientais muito difíceis e sob constante ameaça de violência.10

Assim como os acampamentos de Standing Rock e do Occupy,11 algumas das atividades comunais relatadas neste livro não existem mais. Com o fim do estado de emergência econômica que os havia originado, alguns dos comuns reprodutivos construídos nesses acampamentos foram abandonados. Isso levantou questões sobre a sustentação desses esforços e até que ponto tais iniciativas podem fornecer a base para uma mudança mais ampla no modo de (re)produção. São preocupações válidas. Contudo, o desenvolvimento capitalista hoje traz apenas mais dificuldades, forçando milhões de pessoas a agir e organizar coletivamente sua reprodução, o que é bastante significativo. As apropriações de espaços urbanos e rurais estão sendo constantemente reencenadas, e o resultado é um número crescente de assentamentos nos quais espaços e recursos são compartilhados, decisões sobre a reprodução diária são tomadas coletivamente e as relações familiares são redefinidas. Além disso, as atividades comuns criadas em condições de emergência não desaparecem sem deixar rastros, embora nem sempre sejam visíveis a olho nu. O grande acampamento em Standing Rock, ao qual milhares se dirigiram em uma espécie de peregrinação política para ajudar, aprender e testemunhar com os próprios olhos esse evento histórico, produziu uma nova consciência nos movimentos de justiça social dos Estados Unidos e uma conexão com a luta de povos indígenas que, até então, na melhor das hipóteses, só tinha sido alcançada em nível local. Da mesma forma, atividades reprodutivas comuns, organizadas em mais de seiscentas cidades estadunidenses no outono de 2011, no auge do movimento Occupy, começaram a mudar a forma de fazer política, seguindo maneiras até então típicas apenas de organizações feministas. A necessidade de uma política que se recuse a separar o tempo de organização política do de reprodução é uma lição que muitos militantes do Occupy não esqueceram, e é um dos principais temas deste volume (Gelder & Yes! Magazine, 2011; Gitlin, 2012).

A reprodução não diz respeito apenas às nossas necessidades materiais, como moradia, preparação de alimentos, organização do espaço, criação dos filhos, sexo e procriação. Um de seus aspectos importantes é a reprodução de nossa memória coletiva e dos símbolos culturais que dão sentido à nossa vida e alimentam nossas lutas. Por isso, o primeiro ensaio da Parte 2 reconhece o legado dos povos indígenas americanos, os primeiros que partilharam dos bens comuns nesse território. Isso é importante, porque não podemos pensar em transformar ou mesmo esperar transformar a América do Norte em uma terra de comuns se não nos unirmos à luta dos povos indígenas para que deixem de ser prisioneiros nas reservas e recuperem a terra que lhes pertence. Outros comuns existiram após a fundação dos Estados Unidos, dos quais também precisamos nos lembrar e com os quais podemos aprender. Em um artigo ainda inédito, George Caffentzis (2015) traçou os contornos de uma pesquisa sobre os comuns africanos que os escravizados fugitivos (marrons [quilombolas]) construíram no coração das economias de plantation.12 Também precisamos revisitar os experimentos radicais com o comunalismo que os socialistas, e até mesmo grupos religiosos como os Shakers,13 criaram em diferentes partes do país (Nordhoff, 1966), e, não menos importante, as comunas construídas na década de 1960 no norte da Califórnia (Boal et al., 2012).14 Como afirma a ativista indígena Paula Gunn Allen, “nós, feministas, devemos estar cientes da história deste continente”, pois “a raiz da opressão é a perda da memória” (Allen, 1988, p. 18-9). Esse é um fato que o governo dos Estados Unidos nunca esqueceu, e por isso dedicou muitos recursos e muita energia à destruição, nacional e internacional, de tudo que pudesse fortalecer o sentimento de orgulho e identidade dos povos que pretendia conquistar e explorar. Também por isso promoveu a política de demolição constante, através da “renovação urbana” ou, como agora no Oriente Médio, de bombardeios de saturação, transformando cidades em pilhas de escombros, acabando com casas, infraestruturas, edifícios históricos, qualquer coisa que possa constituir um laço com a terra e com a história de lutas e culturas passadas.

Contudo, revisitar a história dos comuns nos adverte que, embora garantam a reprodução de seus membros, eles nem sempre foram meios igualitários de organização social. Ainda hoje, em várias comunidades nativas da África e da América do Sul, as mulheres não têm o direito de participar de assembleias decisórias e correm o risco de ver negado o acesso de seus filhos à terra, porque a adesão aos comuns é estabelecida através de linhagens masculinas. Neste volume, examino esse problema e mostro como o Banco Mundial tem tirado proveito dessa conjuntura para promover a privatização de terras comunais — e como as mulheres das comunidades indígenas estão respondendo a essa ameaça. Ao mesmo tempo, defendo a necessidade de distinguir entre formações sociais comunais/comunitárias que atuam dentro de um horizonte não capitalista, e comuns que são compatíveis com a lógica da acumulação e podem funcionar como uma válvula de segurança por meio da qual o sistema em crise tenta difundir as tensões inevitavelmente geradas por suas políticas. Essa, no entanto, é uma distinção que já tem seus críticos.

Em Omnia Sunt Communia: On the Commons and the Transformation to Postcapitalism [Tudo é comum: sobre os comuns e a transformação ao pós-capitalismo], Massimo De Angelis (2017) alerta, por exemplo, sobre a tentativa de restringir o caráter necessariamente fluido e experimental de toda forma de comunalismo inserido em modelos ideológicos aprioristicamente definidos. Da mesma forma, é impossível antecipar a evolução de um banco de tempo,15 de um jardim comunitário ou de um edifício ocupado. Todavia, é importante identificar os elementos distintivos do comum sem cair numa postura dogmática, uma vez que o concebemos como um princípio de organização social e estamos cercados de comuns que se unem de uma forma que protege privilégios e exclui pessoas em razão de etnia, classe, identidade religiosa ou nível de renda. Assim, em “Os comuns contra o capitalismo e além dele”, escrito com George Caffentzis, traço algumas distinções amplas com implicações imediatas nos movimentos de justiça social, como a distinção entre o comum e o público ou entre bens comuns que operam fora do mercado — como é o caso da maioria das atividades nos territórios zapatistas — e comuns que produzem para o mercado. Essas distinções são fluidas, estão sujeitas a mudanças, e não devemos presumir que, em um mundo governado por relações capitalistas, os comuns possam escapar ilesos de contaminação; elas nos lembram, porém, que os comuns existem em um campo de relações sociais antagônicas e podem facilmente se tornar meios que acomodam o status quo.

Nessa mesma linha, na Parte 2, também examino a relação entre comunalismo e comunismo nas obras de Karl Marx e Friedrich Engels — ao menos aquelas que Marx decidiu publicar e que influenciaram diretamente o movimento socialista internacional.16 Meu escopo, nesse sentido, é bastante limitado. Ausenta-se de meu relato um questionamento do processo pelo qual a “comunhão de bens”, identificada, principalmente, como o uso comunitário da terra — até o século XVIII, o principal ideal dos revolucionários na Europa, de Winstanley17 a Babeuf18 —, foi substituída, no século XIX, pelo “comunismo”, identificado com a abolição da propriedade privada e a administração da riqueza comunitária pelo Estado proletário. Por exemplo: o que teria induzido Engels (1872 [2015]) a declarar, em Sobre a questão da moradia, que trabalhadores da indústria de sua época eram absolutamente desinteressados na posse de terras? É um ponto importante. Mas minha principal preocupação neste volume é outra: demonstrar que o princípio dos comuns, hoje defendido por feministas, anarquistas, ecologistas e marxistas não ortodoxos, contrasta com o pressuposto compartilhado pelos desenvolvimentistas marxistas, pelos aceleracionistas e pelo próprio Marx no que concerne à necessidade de privatização da terra como um caminho para a produção em larga escala, e da globalização como instrumento de unificação do proletariado mundial.

Os que hoje defendem os comuns repudiam o papel progressivo do capital, exigem controle sobre as decisões que mais afetam sua vida, afirmam sua capacidade de autogoverno e rejeitam a imposição de um modelo unitário de vida social e cultural, no espírito do lema zapatista “Un no, muchos sís” [Um não, muitos sins] — isto é, há muitos caminhos para o comum, que correspondem a nossas diferentes trajetórias culturais e históricas e contextos sociais. Além disso, 150 anos após a publicação de O capital, podemos verificar que o desenvolvimento tecnológico, ao qual Marx atribuiu a tarefa de construir as bases materiais do comunismo, está destruindo não apenas os regimes comunitários que ainda restam mas também a possibilidade de vida e reprodução para um número crescente de espécies no planeta.

Ademais, devemos nos perguntar: será que a mecanização e a robotização de nossa vida cotidiana são o melhor que milhares de anos de trabalho humano puderam produzir? Podemos imaginar a reconstrução de nossa vida em torno da comunalidade de nossas relações com os outros, incluindo animais, águas, plantas e montanhas que certamente serão destruídos pela construção de robôs em larga escala? Esse é o horizonte que o discurso e a política dos comuns nos abrem hoje: não a promessa de um retorno impossível ao passado, mas a perspectiva de recuperar o poder de decidir coletivamente nosso destino na Terra. É isso que chamo de reencantar o mundo.

SILVIA FEDERICI
NOVA YORK, 2019

 

 

6. Mama-put ou buka são nomes que os estudantes deram aos lugares próximos à universidade nos quais costumam comer. Esses locais são geralmente administrados por mulheres.
7. Em 1990, com colegas da África e dos Estados Unidos, fundamos o Comitê de Liberdade Acadêmica na África (Cafa), com o objetivo de analisar a conjuntura e gestar uma mobilização contra a destruição dos sistemas educacionais no continente africano, especialmente no nível superior, planejado pelo FMI e pelo Banco Mundial como parte das medidas de austeridade adotadas sob a rubrica de “ajuste estrutural”. Durante treze anos, o Cafa produziu boletins reapropriae fez campanhas contra o Banco Mundial, incluindo sua participação em conferências de estudos africanos — escandalosa, em nossa visão, considerando o papel que o banco desempenhou nos cortes ao financiamento de universidades e programas de pesquisa africanos. Mais importante, documentamos as lutas que estudantes e professores estavam travando em todo o continente, com o objetivo de aumentar o apoio a eles nas universidades estadunidenses. Ver Federici, Caffentzis & Alidou (2000).
8. Conforme descreve Shiva (1989, p. 57-77), o movimento Chipko teve início nas regiões montanhosas do Himalaia “para proteger a floresta da exploração comercial” e depois se espalhou para outras regiões ao norte e ao sul das terras altas da Índia central: “A filosofia e a orientação política do movimento foram desenvolvidas para expressar as necessidades e os conhecimentos das mulheres. As camponesas rejeitaram o uso comercial e a destruição das florestas, e até enfrentaram os homens de suas comunidades que haviam sido, cognoscitiva, econômica e politicamente, colonizados pelo sistema”. Shiva também escreveu extensivamente sobre o princípio dos comuns em Earth Democracy: Justice, Sustainability, and Peace [Democracia da Terra: justiça, sustentabilidade e paz] (2005).
9. Os referidos artigos apareceram na edição n. 10 do Midnight Notes, intitulada The New Enclosures [Os novos cercamentos], publicada no outono de 1990. [Ver detalhes na seção Agradecimentos — N.E.]
10. Standing Rock é o nome de uma reserva indígena do povo Sioux localizada entre os estados de Dakota do Norte e Dakota do Sul, nos Estados Unidos, que abrigou um acampamento de resistência à construção do oleoduto Dakota Access Pipeline, empreendimento que ameaçava contaminar tanto o Rio Missouri, do qual depende o abastecimento de água da reserva, quanto suas áreas de solo sagrado.
11. Movimento de protesto contra a desigualdade social e econômica iniciado em 17 de setembro de 2011 com uma ocupação no Zuccotti Park, em Nova York, cujo slogan era “Somos os 99%”, em oposição ao 1% da população que controla boa parte da riqueza mundial. Por ocorrer no centro financeiro dos Estados Unidos, a mobilização atraiu atenção internacional e foi reproduzida em diversas cidades. Os manifestantes foram desalojados pela polícia em 15 de novembro de 2011. [N.E.]
12. A autora faz referência ao regime de plantações muito empregado nos países colonizados pelos europeus, e não a qualquer tipo de cultivo. Essas plantações eram baseadas em monocultura de exportação e empregavam mão de obra escravizada ou muito barata. [N.T.]
13. Os Shakers, também conhecidos como United Society of Believers in Christ’s Second Appearing [Sociedade unida dos crentes na segunda aparição de Cristo], foram uma seita fundada na Inglaterra na década de 1740 e que passou a se organizar nos Estados Unidos nos anos 1780, marcada por valores como comunalismo, pacifismo e igualdade entre homens e mulheres. [N.E.]
14. Referência aos movimentos contraculturais e hippie. [N.E.]
15. Os bancos de tempo são um sistema de troca de serviços que não envolve dinheiro. Trata-se de uma troca de tempo por tempo, ou seja, as horas de um serviço prestado podem ser trocadas pelas horas de qualquer outro serviço. O usuário se cadastra no banco de tempo e sinaliza qual serviço pode oferecer. Para cada hora de trabalho realizado, ele receberá não dinheiro, mas uma hora em crédito, que poderá utilizar como quiser. Um exemplo: uma pessoa faz duas horas de serviços de jardinagem. Ela será remunerada com um crédito de duas horas, que poderá trocar por qualquer outro serviço disponível no banco de tempo: aulas particulares, faxina, massagens, serviço de babá, consultoria jurídica, enfim, uma gama de possibilidades. Nos bancos de tempo, não há dívida nem empréstimo. [N.E.]
16. Com o fim da Comuna de Paris [em maio de 1871], Marx aparentemente mudou sua visão sobre o potencial dos comuns como base para o desenvolvimento do comunismo. Depois de ler os escritos de Lewis Henry Morgan, Marx sugere, em sua correspondência com um revolucionário russo, a possibilidade de uma transição para o comunismo que não exigisse um processo de acumulação primitiva, mas que fosse construído, ao menos na Rússia, por meio da comunidade camponesa; ver Shanin (1983 [2017]).
17. Gerrard Winstanley (1609-1676), religioso inglês protestante e ativista político, um dos fundadores do grupo True Levellers [Verdadeiros niveladores], também chamado de Diggers [Escavadores], que ocupava terras públicas, derrubando sebes para plantar. Em um tratado intitulado “The True Levellers Standard Advanced” [O modelo avançado do True Levellers], Winstanley escreveu que a terra é um tesouro comum a todas as pessoas, ricas ou pobres; ver Winstanley (1649).
18. O jornalista François Noël Babeuf (1760-1797), também conhecido como “Gracchus”, denunciou o fracasso da Revolução Francesa em construir uma sociedade verdadeiramente igualitária. Foi condenado por conspiração contra a República e executado. Durante o julgamento, manifestou-se contra a privatização da terra: “Declaramos que somos incapazes de tolerar essa situação […] em que a grande maioria dos homens trabalha e transpira a serviço do prazer de uma pequena minoria. […] Que chegue ao fim […] esse grande escândalo no qual nossa posteridade nunca acreditará! Que desapareçam, finalmente, distinções revoltantes entre ricos e pobres, grandes e pequenos, senhores e servos, governantes e governados” (Fried & Sanders, 1964, p. 51-5).

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