Militante antirracista é eleita nos EUA: vitória do #BlackLivesMatter?

Keeanga Yamahtta-Taylor questiona os limites da representatividade dentro da democracia burguesa e racista em seu livro #VidasNegrasImportam e libertação negra

O confuso e arrastadíssimo processo eleitoral estadunidense nos deu, em 4 de novembro, alguns resultados significativos: foi o caso da vitória de Cori Bush, líder comunitária progressista e ativista veterana do #BlackLivesMatter, que ganhou uma cadeira na Câmara dos Representantes – órgão análogo à nossa Câmara dos Deputados – pelo estado do Missouri. Com isso, Bush tornou-se a primeira mulher negra a representar o estado no Congresso, de acordo com projeções da CNN.

Bush é enfermeira e pastora, uma das organizadoras que passou a ser vista como líder do protesto após a morte de Michael Brown pela polícia em Ferguson, em 2014. Sua plataforma progressista defende políticas que incluem o Medicare-For-All – um programa nacional de seguro de saúde, abrangente e gratuito (e, caso não tenhamos reforçado o suficiente ainda: defenda o SUS!) – e o Green New Deal – uma série de propostas econômicas que pretende combater (ainda dentro das infinitas limitações do neoliberalismo estadunidense) as alterações climáticas e a desigualdade econômica. 

“Como a primeira mulher negra e também a primeira enfermeira e mãe solteira a ter a honra de representar o Missouri no Congresso dos Estados Unidos, deixe-me dizer o seguinte: às mulheres negras, às meninas negras, às enfermeiras, aos trabalhadores essenciais, às mães solteiras: este é o nosso momento”, disse Bush em seu discurso de vitória. Ela integra agora o grupo recém-reeleito da chamada esquerda progressista no país, junto de Alexandria Ocasio-Cortez, Ilhan Omar, Rashida Tlaib e Ayanna Pressley. 

Ainda assim, mesmo com a vitória de Joe Biden e Kamala Harris sobre Trump, é preciso questionar a capacidade efetiva de mudança que esse grupo de progressistas pode realizar a longo prazo em um país estruturalmente racista, como os Estados Unidos – e estendemos a dúvida: como seria no Brasil? De acordo com o artigo de Clark Randall e Mihir Sharma para a revista Jacobin na ocasião do lançamento da campanha de Bush, o distrito do Missouri tem um histórico de impelir representantes afroamericanos ao Congresso, afastando-os dos movimentos sociais. 

“A promessa tácita de representação racial é que a dinâmica social, econômica e política pode mudar quando alguém de um grupo marginalizado está no comando. Com muita frequência, no entanto, na política negra, o simbolismo substituiu fazer uma diferença significativa nas vidas dos negros”, escreveu Keeanga Yamahtta-Taylor no artigo “Joe Biden, Kamala Harris, and the Limits of representation” [Joe Biden, Kamala Harris e os limites da representatividade] na revista The New Yorker

Como já trouxemos anteriormente, em um de seus mais brilhantes capítulos do livro #VidasNegrasImportam e libertação negra, Keeanga questiona o discurso da representatividade política com firmeza e mostra como, sob a gestão liberal de Barack Obama, esse discurso transbordou de vez – o que resultou no #BlackLivesMatter. Seu ponto principal é que a mera absorção de pessoas negras por uma institucionalidade supremacista branca não acabará com a violência e a exclusão racial.

“Ninguém sabe em que estágio está o movimento negro ou para onde ele está indo. A versão mais atual do despertar dos negros está apenas no começo”, escreve a autora. “Mas sabemos que ocorrerão esforços incansáveis para subverter, redirecionar e desfazer o movimento pelas vidas negras, porque, quando o movimento negro entra em ação, ele transforma em caos toda a mitologia estadunidense de liberdade, democracia e infinitas oportunidades. Pelas mesmas razões, o Estado impiedosamente esmagou o último grande movimento de luta pela libertação negra, nos anos 1960. As apostas são ainda maiores hoje, porque o que parecia uma alternativa naquela época — maior inclusão negra no poder político e econômico — já aconteceu e já fracassou. Nesse sentido, a eleição de Obama concluiu aquele projeto político e nos trouxe de volta a esse mesmo ponto.”

 

(Imagem da matéria retirada do The St. Louis American)

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