Demorou, mas, três dias depois, nossa adrenalina finalmente baixou. Agora, com as sensações um pouco mais digeridas, conseguimos rabiscar algumas palavras de agradecimento.
Muito trabalho e muita solidariedade antecederam o grande momento da noite de segunda-feira, 13 de junho, quando Sérgio Silva pegou o microfone na esquina da Consolação com a Maria Antonia, no centro de São Paulo, e fez os olhos de todo mundo transbordar com suas palavras de paz, memória e resistência.
Pelo terceiro ano consecutivo, Sérgio lembrou a dor indizível que sentiu ao ter o globo ocular destruído por uma bala de borracha da Polícia Militar naquela mesma encruzilhada. Agradeceu o professor Severino Honorato, que o socorreu nos segundos em que tudo era desespero. E declarou seu amor à filha Elis, em quem tanto pensou para conseguir superar a tortuosa caminhada até o hospital.
Sérgio também recebeu nos braços a mais nova vítima das armas menos letais da PM paulista: Douglas Santana, doze anos, que perdeu a visão do olho esquerdo no último mês de abril. Passado e presente se reencontraram quando o olho de um mirou o olho de outro. E também quando um grupo de secundaristas chegou em passeata – e a polícia quase deu início a uma nova repressão.
Nas empenas dos prédios, projeções das imagens daquela jornada truculenta e mensagens que tão bem ecoavam as rimas declamadas no asfalto, logo abaixo. A camaradagem tomou conta da esquina e afastou as baixas temperaturas do dia mais frio do ano na cidade cinza. Construímos nossa zona utópica temporária. Vencemos mais uma batalha.
Mas nada teria acontecido, claro, sem o protagonista da noite, Sérgio Silva, seus amigos e familiares. Sem Douglas Santana e sua mãe, Vanessa, que vieram da zona sul pra mostrar que a bala de borracha, mesmo sem calar, continua cegando. Sem Thaís Nunes e Flávia Prado, que descobriram a história do menino ferido pela polícia e o trouxeram para o meio da roda.
Sem a ajuda do Coletivo Arrua, sobretudo do Ramon Szermeta, que emprestou e montou a aparelhagem de som. Sem o grande “Caio”, que cedeu sua janela para apoiarmos os projetores: um emprestado pelo Coletivo Vie La En Close e outro, pela Ligia Alonso e pelo Dan Aqua. Sem Edgar Bueno, da Bueno Filmes, e Karen Ka, que organizaram as projeções. Sem a técnica refinada do Edu Zal, que coloriu os prédios da região com suas programações animadas.
Sem Priscila Melo, que trouxe para a roda a poesia sertaneja do grande Lira. Sem o Slam Resistência, que fez as vezes de mestre de cerimônias e segurou o evento no gogó. Sem o spray de Sergio Rossi e seu estêncil. Sem a simpatia dos donos do bar da esquina. Sem @s repórteres, fotógraf@s e videastas que registraram o ato.
Sem a Meli-Melo Press, que imprimiu os belos exemplares do livro Memória Ocular, projeto gráfico assinado pela Denise Matsumoto. Sem Vitor Flynn, Breno Ferreira, Mateus Acioli, Carolina Ito e João Ricardo Moreira, que ilustraram as cem páginas da publicação. Sem João Peres, que revisou o texto. Enfim, sem cada uma das pessoas que ocuparam aquele pedaço de história…
No meio da miséria política, a Editora Elefante consegue esboçar sorrisos de esperança: em cinco anos, nunca havíamos conseguido juntar uma manada tão grande e empenhada. E é assim que queremos continuar avançando: devagar e coletivamente, estabelecendo laços e caminhando de mãos dadas.
Que mais dizer? Muito obrigad@!