Não há condições de se libertar do combustível fóssil?
por Paulo Silva Jr.
A menos de um mês da COP30, que acontece em Belém a partir de 10 de novembro, o governo brasileiro ofereceu de bandeja a notícia para escancarar a fragilidade de eventos como uma conferência voltada para o debate sobre as mudanças climáticas. Na segunda-feira (20/out), a Petrobras anunciou a autorização do Ibama, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis, para a perfuração do primeiro poço em águas profundas da bacia da Foz do Amazonas.
O ponto fica a 175km da costa do Amapá, e é considerado estratégico no futuro dos negócios do petróleo para o Brasil. Depois de técnicos recomendarem a rejeição da licença e o debate se arrastar por anos, o próprio presidente Lula se mostrou favorável à exploração e à continuidade do investimento no segmento. É a grande aposta para abrir caminho a uma nova fronteira que poderá manter o ritmo da produção nacional. Não há nenhum constrangimento com a proximidade (de calendário ou geográfica) do encontro que deveria impulsionar alternativas.
A região possui um importante habitat de animais marítimos, e o parecer do Ibama cita riscos a peixes-boi ameaçados de extinção. Também destaca que a Advocacia-Geral da União deixou que o licenciamento ignorasse o impacto aos povos indígenas. Sem cerimônia, a Petrobras começou a operação no próprio dia da autorização, já que os equipamentos aguardavam posicionados havia meses, prontos. Aqui, sim, um país de processos em plena celeridade. Houve repúdio e mobilização aqui e ali – o Greenpeace, o Observatório do Clima e outras entidades, por exemplo. Uma pesquisa digital mostrou que os últimos dias refletiram um momento de menos entusiasmo e mais cobrança crítica sobre o evento. Aumentaram as publicações, como essa série que simboliza casos de fracasso do projeto ecológico no país puxando o fio desde a Rio+20, em 2012.
Na sexta-feira (24/out), durante agenda na Indonésia, Lula se pronunciou sem curvas. Direto e reto, se colocou como mais um agente dos combustíveis fósseis dentro do ecossistema global. Se a notícia da semana já manchava qualquer apresentação como defensor do clima, a fala ao microfone apenas corroborou a posição.
“Enquanto o mundo precisar, o Brasil não vai jogar fora uma riqueza que pode melhorar a própria vida do povo brasileiro. Vamos continuar utilizando o dinheiro para que a gente faça cada vez mais e tenhamos condições de o Brasil se ver livre do combustível fóssil. É fácil falar do fim do combustível fóssil, mas é difícil a gente dizer quem é que tem hoje condições de se libertar. Ninguém tem”.
Em contexto publicado pela Agência Brasil, o presidente ainda faz um discurso ao modo “mal necessário”: explorar agora para mudar no futuro. “Nós queremos trabalhar para que a gente possa reduzir o uso de combustível fóssil. Uma das formas é a gente utilizar o dinheiro do petróleo para consolidar a chamada transição energética do planeta Terra”.
Se a liderança do país diz que ninguém tem condições de se libertar, nos cabe ao menos clarear os caminhos.
Colonialismo verde
Talvez esse seja um dos grandes entraves do debate: a propagação de uma ideia geral, e genérica, de que estamos fadados a explorar todos os recursos naturais, agredir as reservas, explorar cada canto do planeta e seguir dando voltas em meio a um certo futuro inevitável. “Enquanto o mundo precisar”, diz Lula. Ao mesmo tempo, olhar para uma COP30 com a sensação de que os passos são muito lentos rumo a uma mudança real nos modos de vida. Pior: muito discurso, as mesmas explorações de sempre, e no máximo alguma embalagem mais bonita. “Ninguém tem condições de se libertar”.
O que a coleção Colonialismo verde propõe é expor esses casos de mais do mesmo. Como aponta a descrição, “a retórica de mercados de carbono, crescimento verde, soluções baseadas na natureza e energias renováveis encobre uma lógica bem conhecida: extrativismo, pilhagem, desigualdade, empobrecimento, expropriação”. A ideia então é questionar esse fluxo das coisas e pensar alternativas.
Afinal, como disse Richard Muyungi, negociador da Tanzânia, numa entrevista que viralizou por esses dias (como esse post no perfil do Clima Info), não dá para discutir carro elétrico na COP30 se 45% da África não têm nem eletricidade. No próprio país do evento, aliás, ainda é preciso se falar muito de coisas primárias, como o saneamento básico, cujo déficit atinge principalmente mulheres negras e indígenas.
A introdução do livro Colonialismo verde, v.1, Geopolítica e transições ecossociais, vai tratar disso.
“Além de desnudar suas falsas soluções para as mudanças climáticas e analisar criticamente seus impactos, é igualmente importante mapear e examinar as alternativas disponíveis. Embora o Consenso da Descarbonização afirme que não há alternativa fora do quadro dominante, isso está longe de ser realidade. Nos últimos anos, vários autores se dedicaram a examinar e propor alternativas socioecológicas ‘de baixo para cima’. O repertório de intervenções é diversificado: da justiça ambiental e climática (Bond, 2023) a experiências ecológicas de base (Gelderloos, 2022), o decrescimento (Schmeltzer, Vansintjan & Vetter, 2022), a resiliência (Rifkin, 2022 [2024]) e uma ampla gama de políticas e experiências de transição”, afirma o texto assinado pelos organizadores Miriam Lang, Breno Bringel e Mary Ann Manahan.
Ou seja, na maioria das vezes as análises ficam numa tentativa de adaptar a vida de hoje às mudanças climáticas, com dificuldade de alcançar uma perspectiva de justiça global, de diferentes visões de mundo e de outras perspectivas a partir de diversas lutas contemporâneas.
No fim, o objetivo da coleção é enfatizar a hipocrisia do colonialismo verde; analisar as relações entre o Sul e o Norte Global, em tensões que precisam ser tratadas em busca de uma justiça social e ecológica para todos os povos; e compartilhar desafios, propostas, ideias para constituir novos marcos relevantes no caminho de um futuro mais digno.
Quem sabe ainda dê tempo para que possamos começar a caminhar para a libertação. Sem parecer impossível, sem parecer que seja difícil apontar quem poderia fazê-lo.












